sábado, maio 28, 2005

A rapidez necessária.


Notas para memórias curtas.

Dez da manhã. Sentado. Na esplanada da minha antiga faculdade. Pouca gente. Cadeiras. Mesas. Guarda-sóis. Molhados. A livraria. Os mesmos livros. A chávena de café já vazia e a arrefecer. O livro que leio. Os edifícios que tudo ladeiam. As salas familiares de outro tempo. As olaias em flor. O pombo que passa perto das cadeiras como um cão.

O hábito faz o mongo.


Os grilhões escolhidos.


quarta-feira, maio 25, 2005

À procura de um texto autobiográfico (7).

I have always figured I can bluff my way into wisdom.

[ Michael Cunningham: A Home at the End of the World. ]


Latitudes da invisibilidade.

Sair de casa e dizer adeus àquela parte do mundo por umas horas. Tudo o que há, lá fora, é a noite e o vento frio.

Andar até ao fundo da rua, virar à direita e novamente à direita. Atirar com o corpo para dentro de um táxi, murmurar um sítio entre dentes e ser levado. Por entre casas de pintura descascada. Por baixo de candeeiros de metal e plástico velhos. Pelo meio da luz que cresce e se extingue. Pela ilharga triste de paragens de autocarro com velhos e estudantes que esperam.

(Ser levado.)

E a luz sempre a luz. E o perpétuo móvel da conversa do taxista que perco sem dificuldade. O vidro sujo. O barulho dos pneus no alcatrão. Os traços amarelos nele. E a luz.

(Sempre a luz.)

Chego. Saio do carro. Digo boa noite como diria a fórmula para calcular a área de um círculo. Não penso nem sinto. Automático. Espero que o vermelho fique verde. Atravesso a estrada. O frio ainda. Desço a rua. Esqueço-me de mim. De onde estou. Continuo a andar. As portas automáticas abrem-se. Peço um café que bebo sem dar por isso. Sento-me. Tiro o casaco. Abro o livro. Leio. Fecho o livro. Levanto-me. Pego no casaco e na mala. Ando. Entrego o bilhete à entrada para as salas. Indicam-me o lugar. Sento-me. Agradeço mecanicamente com uma facilidade educada de anos. As luzes apagam-se.

Cheguei.

(Pi vezes 'r' ao quadrado.)

Alheio ao mundo. E ele a mim.

quarta-feira, maio 18, 2005

Parapeito.

Vou até à janela do quarto. Encosto-me. Olho através das frinchas do estore para a rua agora queda. Deixo-me estar. A luz da lâmpada de mercúrio - amarela, tristonha - vai inundando, a pouco, as fachadas dos prédios. Passam poucos minutos das quatro da manhã.

E ainda não durmo.


Nota rápida sobre camas.

Uma cama vazia requer coragem, se decidirmos enfrentá-la. Caso fujamos ao confronto, há sempre o sofá - ou a insónia.

A minha relação com... livros.

Os que li.
Os que não li.
Os que me obriguei a ler.
Os que quero ler.
Os que não quero ler.
Os que ainda não tenho a certeza se lerei.
Os que ainda tenho de ler.
Os que acabei de ler.
Os que quero ler de novo.

(E tudo o que estiver pelo meio.)


domingo, maio 15, 2005

Filme-cicatriz.

Às 21h50min de Sábado, entrei para a sala 5 dos cinemas Monumental Saldanha Residence, para ver A Home at the End of the World - um filme de Michael Mayer e com argumento adaptado por Michael Cunningham a partir do seu romance homónimo. Se há filmes que nos fazem tremer as bases, este é, sem dúvida, um deles. Mais do que isso. Muito, muito mais. Não é um filme - é um monumento. A sério que gostava de conseguir falar dele; de ser capaz de citar momentos favoritos, frases que me ficaram, de descrever cenas com precisão rigorosa. Tudo isso.

Mas não consigo.

E não consigo porque sinto o coração pontapeado; não consigo porque foi um filme que me apanhou desprevenido e que deixou, atrás de si, um rasto de destruição. Noventa e seis minutos de uma coisa tão incrivelmente avassaladora que ficamos sem palavras para a descrever. Que damos por nós, horas depois, em pé, na cozinha, a beber um copo de água quase gelada na esperança de que o choro profundo, soluçado, acabe por parar. Mas depois vêm as imagens. E as frases. E as cenas que não conseguimos deixar de revisitar. Desde aquele choro inicial tão violento àquela dança no alpendre da casa; desde aquele beijo ao som de Mozart, no telhado de um prédio de Nova Iorque, ao momento em que as cinzas se dissolvem espalhadas no vento, no meio da neve. E aquele adormecer rápido, instantâneo, descansado, que só acontece porque uma das personagens está perto de outra que ama e sempre amou. Tudo. Tudo tatuado na memória. Tudo a surgir irreversivelmente.

E sabemos - sabemos porque o sentimos na pele arrepiada, na cara ainda húmida, nas mãos que fazem força uma contra a outra para tentar conter o soluçar que insiste em irromper - que é um filme que nos vai ficar como uma cicatriz fica.

(Indelével. Permanente.)

sexta-feira, maio 13, 2005

Listening sessions (2).

Em repeat - e por serem brilhantes na música que fazem:

Stars of the Lid: Avec Laudenum e The Tired Sounds of.


Os estranhos quotidianos.

As noites terminam quando o dia começa. Insónia.

(Late to bed and late to rise.)

Tapar a cara com o lençol. Desligar o despertador com força suficiente para que se cale e não volte a falar. Voltar a adormecer. Acordar tarde. Manhã-não-manhã. Fingir que não há luz a entrar até nos rendermos aos factos e termos de sair da cama. Pés sem nada no soalho. O cheiro de café na cozinha. A esperança de afastar do corpo o estupor crasso dos dias; o peso inquietante das noites revoltas. A cadeira que espera. A mesa que grita trabalho. A televisão em mute para não fazer perder a concentração inexistente. A luz sempre a luz e o calor sempre calor.

Chávena de café entre as mãos. O coração a começar a bater.

(The early bird gets the worm.)

"É dia lá fora, não é?"


quinta-feira, maio 12, 2005

Um ano.

Enquanto converso com um amigo sobre blogs, actualizações dos mesmos e coisas semelhantes, corro os posts mais antigos do Maiúsculas e ali está ele, o primeiro dos primeiros, feito a 12 de Maio de 2004, às 15h27min. O Maiúsculas faz hoje um ano - e eu que me tinha quase esquecido? Remediando a falta, entro no Blogger e escrevo este post para assinalar a ocasião. Afinal, o Maiúsculas merece...