quinta-feira, julho 28, 2005

Paleotextos (5).

gelado de limão.

está a chover. ele sabe que está a chover porque vê as pessoas a correrem de um lado para o outro. o frio está-lhe nas mãos. as pessoas correm mais. passa uma carrinha e molha-as. mais e mais.

Agressão cromática.

Unreachable.

Digam ao mundo que não estou. Que não atendo telefones. Que não respondo a mensagens. Que não abro a porta a quem bater. Digam ao mundo que não estou.

terça-feira, julho 26, 2005

Anatomia (1).

Comentário desnecessário (9).

Paleotextos (4).

salvo pela água.

consigo ouvir os homens do lixo
do lado de fora da janela do meu
quarto. o barulho sincopado e
inconfundível das rodas de plástico
a roçarem-se na calçada. um cão
ladra ao fundo da rua. o calor entra-me
pela janela mal fechada. o suor cola-se-me
à nuca e aos ombros nus na cadeira
de palhinha. o cão continua a ladrar.
daqui a pouco mais de duas horas,
parto para o alentejo por um dia, na
esperança vazia de ser salvo por uma
piscina escondida no meio dos sobreiros.
a água vai abraçar-me e o azul intenso
do líquido vai sussurrar-me ao ouvido e
dizer-me que cheguei, que não vou ter
de sair. que me posso deixar ficar ali,
com a terra a perder de vista, com os
meus olhos a morderem o pó da estrada
ladeada de vinhas e de um muro de pedras
empilhadas. alguém vai chegar daqui a
pouco. o carro descerá, lentamente, a estrada
até chegar à enorme tília que está no largo, à
entrada da casa. o pó agita-se. os cães
levantam-se de um sono pesado de cão
e as portas do carro abrem-se e fecham-se.

chego. e acordo.

Vida (3).

Paleotextos (3).

uma noite em lisboa.

bebo tanto que deixo de saber
onde estou, que me esqueço de
que estou vivo. e as caras que vejo
são todas iguais e as vozes que
oiço são todas a tua. tento achar-te
entre a multidão do páginas tantas.
a minha cabeça gira.

(onde estás?)

terça-feira, julho 19, 2005

Comentário desnecessário (8).

Paleotextos (2)

antes de saíres, ouve.

e se as
pálpebras me pesam,
se à noite procuro o
vazio do teu corpo nos
cobertores cheios de
gente, é porque é tarde -
e eu não consigo fazer-me
cedo.

Paleotextos (1).

desacordar.

semi-acordada, presa, ainda, dentro dos olhos selados por uma noite de sono mal-dormido, ela levanta-se à pressa e pensa no quanto tem pela frente durante o dia. as roupas, espalhadas por toda a casa, lembram-na de que, muito provavelmente, a anterior noite terá sido bem passada (se bem que ela, acometida por um temporariíssimo ataque de amnésia, da noite já finda, recorde absolutamente nada).

Comentário desnecessário (7).

À procura de um texto autobiográfico (9).

Electrolite

your eyes are burning holes thru me
I'm gasoline. I'm burning clean.
20th century go to sleep.
you're pleistocene. that is obscene.
that is obscene.

u r the star 2nite
yr sun electric outasight
yr light eclipsed the moon 2nite
electrolite.
yr outasight.

if I ever want to fly
Mulholland drive.
I am alive.
Hollywood is under me.
I'm Martin Sheen.
I'm Steve McQueen.
I'm Jimmy Dean.

u r the star 2nite
yr sun electric outasight
yr light eclipsed the moon 2nite
electrolite.
yr outasight.

if you ever want to fly
Mulholland drive.
up in the sky.
stand on a cliff and look down there.
don't be scared.
U r alive.
U r alive..

u r the star 2nite
yr sun electric outasight
yr light eclipsed the moon 2nite
electrolite.
yr outasight.

20th century go to sleep.
really deep. we won't blink.

your eyes are burning holes thru me.
I'm not scared. I'm outta here.
I'm not scared. I'm outta here.


[ R.E.M.: New Adventures in Hi-Fi. ]

quinta-feira, julho 14, 2005

Explicação dos movimentos.

As três imagens do post anterior ("Movimentos pretéritos") fazem parte de uma série de dezassete outros desenhos sobre a temática do movimento quando aplicado a objectos específicos - em concreto, barcos e tigelas pela semelhança das linhas. Tinta-da-china sobre folhas A4 de papel cavalinho. Desenhos no. 1, no. 4 e no. 8. Fi-los quando tinha dezoito anos, creio.

(E ainda hoje fico pasmo ao vê-los.)

Movimentos pretéritos.





À procura de um texto autobiográfico (8).

Sympathique

Ma chambre a la forme d'une cage
Le soleil passe sans bras par la fenêtre
Les chasseurs à ma porte
comme les petits soldats
qui veulent me prendre.

Je ne veux pas travailler
Je ne veux pas déjeuner
Je veux seulement oublier
et puis je fume.

Déjà j'ai connu le parfum de l'amour
Un million de roses
n'embaumerait pas autant
Maintenant une seule fleur
dans mes entourages
me rend malade.

Je ne veux pas travailler
Je ne veux pas déjeuner
Je veux seulement oublier
et puis je fume.

Je ne suis pas fière de sa
vie qui veut me tuer
C'est magnifique,
être sympathique,
Mais je ne le connais jamais.

Je ne veux pas travailler
Je ne veux pas déjeuner
Je veux seulement oublier
et puis je fume.


[ Pink Martini: Sympathique. ]

domingo, julho 10, 2005

Somatório.

O cansaço dos anos.

Omissões da pele.

Andares acima, oiço o ruído estranho de duas pessoas que se amam. Reconheço-o a custo, a princípio.

(Até que, depois, se torna claro.)

Comentário desnecessário (6)

Voz própria.

ANN (voice-off): You pray that this will be your life without you; you pray that the girls will love this woman who has the same name as you and that your husband will end up loving her too, and that they can live in the house next door and the girls can play dollhouses in the trailer and barely remember their mother who used to sleep during the day and take them on raft rides in bed. You pray that they will have moments of happiness so intense that all of their problems will seem insignificant in comparison. You don't know who or what you're praying to, but you pray. You don't even regret the life that you're not gonna have, 'coz by then you'll be dead - and the dead don't feel anything, not even regret.

[ Isabel Coixet: My Life Without Me. ]

Comentário desnecessário (5).

Cento e seis minutos perfeitos.

Vi ontem My Life Without Me, de Isabel Coixet. E, por muito que quisesse fazer uma crítica imparcial, não consigo. Correcção: por muito que quisesse fazer uma crítica, não consigo. É um filme perfeito, do princípio ao fim. Imagem, banda sonora, argumento, personagens. Sarah Polley é brilhante; Mark Ruffalo grandioso e de uma sensibilidade acutilante (como já vem sendo hábito); até Deborah Harry - a mãe supostamente amarga, com uma tendência para o dramatismo - surpreende. Tudo. Multipliquem por dois aquilo que disse a respeito de A Home at the End of the World (um filme que, quando comparado com este de Isabel Coixet, se vê reduzido à mais perfeita insignificância). É um filme que dói, do princípio ao fim. E é por isso que é tão difícil falar dele.

(Difícil não: impossível.)

Epimítio.

Todo o blog é um blogumbigo.

Comentários.

Chamaram-me hoje novamente a atenção para uma coisa a que, curiosamente, nunca liguei - i.e. o Maiúsculas não ter uma secção destinada aos comentários de quem eventualmente o leia. Também não consigo justificar ao certo a razão desta ausência; tomo-a como um facto e concluo que tenha sido uma opção que tomei quando iniciei este blog (e da qual, francamente, já não me recordava). Em todo o caso - e como um blog, como qualquer texto, existe, pelo menos parcialmente, em função do(s) seu(s) leitor(es) - aqui torno a deixar a morada unsavouryfinnegan@yahoo.co.uk. São bem-vindos comentários, perguntas, sugestões, insultos (estes não serão muito bem-vindos) e afins.

(Até porque quem escreve comentários também escreve mails.)