sexta-feira, janeiro 26, 2007

O imperativo das coisas por fazer.

Tenho tanto trabalho acumulado que o coração acelera sempre que olho para a mesa da sala onde há uns quantos montinhos de livros, fotocópias, folhas de papel com ideias e parágrafos aparentemente descontextualizados; post-its por quase todo o lado. No optimismo que tento ter, digo para mim

- Vai correr tudo bem

com tanta convicção que é como se o trabalho já estivesse feito.

Wish me luck.

Quinta-feira à tarde.



O tempo verbal não é inócuo.

Ando assombrado pelo álbum do Jarvis Cocker, mais especificamente por uma música que tem como título "From Auschwitz to Ipswich", da qual gostava de destacar algumas partes. Não o faço porque enfiar

(e o verbo também não é inócuo)

mensagens nas entrelinhas é coisa que, nos últimos meses, começo a não ser capaz de fazer. Como tal, fico-me pelo óbvio: são três e onze da manhã quando escrevo isto; estou a beber a enésima chávena de chá do dia e tive, durante um bom bocado da noite, as mãos francamente frias; não consigo parar de revisitar o momento do Lost in Translation em que, a meio da noite, aparece aquela pergunta tremenda

("Are you awake?")

e desejo, muito secretamente, que ma façam seja por que via for - ou ainda a observação que o marido da Charlotte lhe faz

("Why do you have to point out how stupid everyone is all the time?")

e que me dá vontade de encolher os ombros. E depois disto tudo o resto. O não conseguir dormir, por exemplo: vou para a cama às duas da manhã e só consigo adormecer às seis; acordo cansado. Descobri, apesar de tudo, que adormeço facilmente no sofá da sala, com a televisão a murmurar-me coisas que não oiço realmente e com o aquecedor a manter-me o frio longe dos ossos. Tenho tido como banda sonora de alguns momentos do meu dia o Ba Ba Ti Ki Di Do, dos Sigur Rós. Fiz anos na terça-feira e o dia foi bom. Comecei a comprar chá na casa em que a minha avó o comprava. Constatei a morte por negligência de uma amizade de onze anos. Passei por sítios. Vi gente e carros e árvores e prédios e cães com ar simpático e senti-me vivo. Acenei ao longe à igreja por que passava quando era pequeno. Lambi dos móveis o pó.

Estou vivo. Sinto-me vivo. Faço planos.

Este é para ti.

No ameno cardápio das formas de deixar morrer,

(plantas, sonhos, objectivos e outros)

reservo-te a que me reservaste: uma morte por indiferença - com a muito devida subtracção de telefonemas, cafés, jantares, conversas, cumplicidade e tudo o que antes existiu em abundância. É que nestas coisas, R., a reciprocidade cai sempre bem.

sexta-feira, janeiro 19, 2007

O encanto da fada má.

Percebo perfeitamente o fascínio que a "maldade" exerce. A minha personagem favorita nos contos de fadas era, quase sempre, a fada má: além de ter um sentido de estilo muito próprio, era fabulosa - entrava e, por não ter sido convidada para a festa (casamento, baile, o que fosse), rogava uma praga à protagonista insípida e rosada do dito conto. É que a bondade só por si, convenhamos, encanta pouco.

Sábado à tarde.

Status report (1).

Quatro e quinze da manhã, em frente ao espelho da casa de banho, a fazer playback do "I just can't get enough", dos Depeche Mode, enquanto escovo os dentes.

A memória-por-interposta-pessoa.

O meu passado parece-me uma história que os outros (me) contam sobre mim, como as que os nossos pais e avós nos contam de episódios estranhos das suas vidas ou das vidas de antepassados excêntricos. Por vezes só me lembro da minha vida

(pronto, de partes dela)

se ma contarem de novo.

Tu que não a sabes: contas-ma, por favor?

sábado, janeiro 06, 2007

Uma questão de geografia.

Confirmo-o antes de me ir deitar: estou a viver no fuso horário de Nova Iorque. Menos cinco horas e eu era uma pessoa normal: acordava às oito e deitava-me algures entre a meia-noite e as duas da manhã.

Reconhecimento.

As coisas são muito simples.

Às três da manhã, quando leio ou escrevo, há uma espécie de lucidez cortante que me é muito cara. Preso no meio de páginas de cifra, fico parado em frente ao portátil com o cursor que pisca impaciente e que descansará apenas quando a página estiver cheia - e depois dela as seguintes que não existem ainda. A T. não está cá. A casa tem as luzes habituais acesas.

Levanto-me da cadeira com arrogância espavorida, estico as pernas e ponho água a aquecer para um chá tão snob como este texto. Dou por mim a cantar a letra do "Millbrook", do Rufus Wainwright. Falta-me viver, mas todos os dias faço esforços.

(Um sorriso súbito e incontrolável.)

Agora três e quinze da manhã e ainda tanto por fazer. Encosto-me à parede do corredor, fico a olhar para as fotografias alinhadas na parede oposta. Talvez seja da hora ou de estar cansado ou se calhar não é de nada disso; seja como for, lembro-me do que o N. me disse no outro dia - três anos passados sobre a última vez em que nos tínhamos visto e parecia que tinha sido ontem -, quando tomámos café,

- As coisas são muito simples

e aquele

- As coisas são muito simples

faz-me um sentido brutal porque não tinha pensado nisso com a tranquilidade que uma frase destas pressupõe. Como disse, pode ser cansaço. Mas a esta hora apetece-me dizer o que disseste, N. - dizê-lo eu com um piscar de olhos lascivamente incisivo de quem se apronta para sibilina tarefa, mas em regime part-time.

A três dias do Natal.

Enquanto esperava por um táxi na paragem do El Corte Inglés, com um frio tremendo e muita gente de peles à minha frente, ocorreu-me se a telenovela "Os ricos também choram", da RTP 1, não seria exactamente sobre a fila em que estava.

Icon.

Motivação.

Thank you.

Do repúdio da perda.

12 February 1946

Two days ago I had such a sense of peace and quiet and love. Life was going to be happy again, but last night I dreamed I was walking up a long staircase to meet Maurice at the top. I was still happy because when I reached the top of the staircase we were going to make love. I called to him that I was coming, but it wasn't Maurice's voice that answered; it was a stranger's that boomed like a fog-horn warning lost ships, and scared me. I thought, he's let his flat and gone away and I don't know where he is, and going down the stairs again the water rose beyond my waist and the hall was thick with mist. Then I woke up. I'm not at peace any more. I just want him like I used to in the old days. I want to be eating sandwiches with him. I want to be drinking with him in a bar. I'm tired and I don't want any more pain. I want Maurice. I want ordinary corrupt human love. Dear God, you know I want to want Your pain, but I don't want it now. Take it away for a while and give it me another time.

[ Graham Greene: The End of the Affair. ]

2007.

Aos seis dias do ano de dois mil e sete aqui ficam os votos um tanto redundantes de um óptimo ano.