quinta-feira, junho 26, 2008

Mala.

Fazer a mala - os lugares das coisas no nicho rectangular: os livros que se acrescentam entre calças, camisolas, máquina fotográfica. Pasta e escova de dentes, perfume, caderno, insulina. O carregador do telemóvel, o iPod. Meto os bilhetes do Alfa na carteira, fecho a porta atrás de mim e digo

- Até amanhã

à casa que me espera no dia seguinte, quando volto.

Vida (7).

Roll call.

Os Magnetic Fields tocam hoje à noite na Aula Magna. Vou estar nas doutorais, a vê-los / ouvi-los ao vivo pela primeira vez. Sábado: Rufus Wainwright na Casa das Artes, em Vila Nova de Famalicão.

Presente.

Desenvolvimento pessoal e social (2).

as palavras fazem muitos estragos
partem coisas, quero dizer
se não as vemos despedaçadas
é defeito nosso, não delas
seja como for, é justo acrescentar
dão-se também cabo umas das outras
e ficam todas escavacadas
e seja palavras, seja coisas
tornam-se pó, tanto,
tal como nós, pouco


[ Bénédicte Houart: Vida: Variações. ]

quinta-feira, junho 19, 2008

Les enfants.

As crianças cresceram. Passaram cinco anos desde a última vez em que falámos. Encontramo-nos adultos. Tu de fato; eu com um sorriso. Temos vinte anos outra vez e não os temos.

Amarelo.

Leslie.

A Natalie Portman disse-o bem em My Blueberry Nights: talvez a viagem fosse longa; talvez não a quisesse fazer sozinha.

A viagem é longa. Não a quero fazer sozinho.

Amigo e amiga.

Ontem no cinema passou um trailer de uma comédia romântica na qual um amigo tem uma amiga pela qual se apaixona. A amiga é uma porção grande da vida dele. Existem outras coisas. Mas é com a amiga que ele fala delas e lhes dá algum significado. Só que ela vai casar-se, parte para outro país. E com a partida a vida dele desconjunta-se, deixa de fazer sentido. Não há outra solução: tem de partir atrás dela, tentar que não se case ou que se case com ele.

Quando começaste a sair da minha vida - e falo disto sem cifra, agora que ao fim de tempo se forma pele nova - não pensei que fosse coisa definitiva. Deixámos de falar: primeiro pouco, depois durante meses. Quando dei por mim não te falava há um ano e quando voltei a falar contigo não tinha vontade de te contar nada porque me sentia traído. Tentámos que as coisas voltassem ao normal e não tentámos. Ao fim de doze anos cortámos cerce o que tínhamos. Tu casaste-te; eu tornei-me parte obsoleta. Penso em ti às vezes: enquanto espero por alguém que tarda em chegar à mesa de um café a que costumávamos ir; quando passa um carro igual ao que guiavas; sempre que revejo sozinho um dos filmes que vimos juntos. E ontem. Ontem, no cinema, a ver um trailer de uma comédia romântica em que um amigo tinha uma amiga de quem gostava muito. Tanto. Mas a nossa comédia não é romântica. A nossa comédia não é sequer uma comédia.

Status report (30).

A casa grávida do cheiro a tinta, estuque, diluente. Eu a disfarçar a dor de cabeça com uma caneca de café e música.

Cut here (2).

À procura de um texto autobiográfico (38).

Ítaca

O que dói
É não poder apagar a tua ausência
e repetir dia após dia os mesmos gestos

O que dói
é o teu nome que ficou como mendigo
Descoberto em cada esquina dos meus versos

O que dói
é tudo e mais aquilo que desteço
Ao tecer para ti novos regressos


[ Daniel Faria: Poesia. ]

segunda-feira, junho 16, 2008

Entalhe.

Escrevo o teu nome a lápis numa folha. Pego na borracha, apago-o. No papel ainda o entalhe escurecido do lugar lavrado pelo carvão; pouco depois apenas os sulcos esvaziados das quatro letras do teu nome que, como nódoa ou travo, se recusa a desaparecer.

Contraluz.

Heródoto.

Ninguém espera que se conte a história toda.

Status report (29).

Início de tarde passado a beber café, a ouvir The Bird of Music, das Au Revoir Simone, Icons, Abstract Thee e The Sunlandic Twins, dos Of Montreal - de que gosto cada vez mais e com direito a repeat nesta faixa -, e a ler o Prova de Vida, do Pedro Mexia.

Cut here (1).

quarta-feira, junho 11, 2008

Errar (2).

Quando quiseres sair da casa sai. Fecha atrás de ti a porta, dá uma volta certa à chave e leva-a contigo escondida na carteira ou na mala de viagem que tens ao lado. Se quiseres tornar à casa torna - como quiseres, quando quiseres. Talvez venhas mais velha e a mala te seja leve; pode ser que voltes com alguém ao lado ou uma filha pequena escondida atrás de ti. Mete a chave à porta e dá-lhe uma volta para a direita. Encontrar-me-ás aqui.

Segunda-feira, das 16h20mins às 18h15mins.

Polaroid.

Levava a boca cheia de palavras como uma mão de pedras.

Parêntesis.

(Fosse eu como tu. Fosses tu como eu.
Não estivemos nós
sob
uma mesma monção?
Somos estranhos.)


[ Paul Celan: "Grelha de Linguagem." Sete Rosas Mais Tarde. ]

Ficção (55).

Não encontro o teu corpo na cidade. Talvez não seja sequer o teu corpo que procuro mas a tua cara atrás de um livro e tu apenso. Há dias disse a um amigo que não sabia o que andava a fazer. Ele não soube o que me dar como resposta. Não me dizes tu o que ando a fazer - neste sítio, sem ti?

Magenta.

sexta-feira, junho 06, 2008

O adulto.

Quando falo contigo sinto que tenho onze anos. Doze. No máximo treze. Sinto-me como um miúdo que está a fingir ser adulto perante o adulto que o é. Como se jogasse a um jogo cujas regras apenas tu conheces e eu improviso - caio em buracos, piso armadilhas, tropeço na erva alta. Esfolo os joelhos na maior parte das vezes e espero que mos desinfectes com um algodão embebido em água oxigenada; que a espuma branca surja por cima do sangue que se estanca.

Changes.

terça-feira, junho 03, 2008

Ainda.

Na noite em que me deixaste corri todos os sítios em que costumavas estar. Não te achando, voltei a casa e atei um lenço à perna de uma das cadeiras da sala - como se fosses coisa que tivesse perdido.

Passaram-se anos. O lenço ainda lá está.

Adrift.

Idiossincrasia (6).

No seu último livro, a Kate T. Williamson desenha um episódio que me chamou a atenção. Regressada do Japão e a viver em casa dos pais - uma estada de três meses que acabam por se transformar em vinte e três -, cruza-se, na véspera de Natal, com uma conhecida de infância que lhe pergunta

- So, have you moved on with your life yet?

ao que ela responde

- Have I moved on with my life yet? Nope, not yet.

É isto que às vezes me apetece dizer: ainda não, mas já tardou mais.

Desenvolvimento pessoal e social (1).

fomos crescendo e desaparecendo
não fizemos o contrário
do que nos disseram, porém,
foi o contrário que ocorreu
mas talvez nos tivessem dito
isso mesmo por outras palavras
ou ainda só por outras
não estas, decerto,
não estas, pudesse ser dito


[ Bénédicte Houart: Vida: Variações. ]

Vermelho (2).

Après toi, le déluge.

Disseste-me ontem que em Agosto te mudavas. Ainda que saiba que não vais para longe, os meus dias ficam de súbito mais pobres.

Janela aberta.

A luz bate no tapete, tinge de verde as paredes do quarto.

Status report (28).

Atrapalhado com uma passagem de uma peça de piano e a compor dois exercícios para uma aula amanhã. Café à direita. Nos ouvidos, a Jenny Owen Youngs a cantar em repeat o "Voice on tape", do Batten the Hatches - álbum que vale a pena ouvir. A seguir: Electrelane.

Self-portrait Tuesday.