quarta-feira, fevereiro 24, 2010

Um cuco.

A música era sempre a mesma: os primeiros quatro acordes, outros quatro, depois dez. Tocava nas alturas menos esperadas, e chegava a fazer com que levasse a mão ao bolso ou aos ouvidos, por achar que tinha o iPod ligado. Depressa descobria que não, mas o reflexo era sempre aquele. Quatro acordes; outros quatro; depois dez. Lá pelo meio havia um cuco.

Tables and chairs (2).



Obrigado.

A mensagem está na minha caixa de entrada. Leio o nome três ou quatro vezes, e penso que não pode ser, que não faz sentido ter-me escrito. Passaram-se nove - talvez dez - anos sobre a escrita de um artigo acerca dele, que na altura me levou a ler tudo o que tinha publicado. Lembro-me de passar horas na cafetaria Continental, entre os cigarros que então ainda fumava,

(Camel? Marlboro?)

café, sucessivas doses de torradas, e livros abertos - sublinhados a cores diferentes conforme as temáticas abordadas, com anotações que ocupavam a quase totalidade das margens. A facilidade com que o texto surgiu sugere que eu era novo, e talvez apenas isso. Do mesmo modo a adjectivação, a construção parentética, a abundância de vírgulas, e as frases quilométricas; há a espaços uma ou outra afirmação categórica, coisa de que fujo hoje a sete pés. Oito páginas de resultado, ainda assim: relidas nem há meia hora, com o espanto de quem não sabe ao certo como fez tal acrobacia. E a mensagem, essa, continua na minha caixa de entrada. Tem como assunto "Obrigado".

Pernas.

Como não admirar Anne Sexton, naquele cruzar de pernas circense de quem sufoca com discrição?

Outras metáforas.

v

You don't like these metaphors.
All right:

Perhaps I am not a mirror.
Perhaps I am a pool.

Think about pools.


[ Margaret Atwood: "Tricks with mirrors." You Are Happy. ]

quarta-feira, fevereiro 17, 2010

Pousio (2).

Também se perde a prática de escrever, como de nadar ou andar de bicicleta. Agora que penso nisso, não nado há anos, e andar de bicicleta a mesma coisa. Estou quase certo de que não me esqueci de nenhum deles, embora tenha também a certeza de que, às primeiras tentativas, me vou desequilibrar e cair, ou perder o fôlego com rapidez alarmante. Durante um mês e meio não senti necessidade de escrever. Para ser sincero, aliás, continuo sem sentir necessidade - ou ter vontade - de escrever. Tenho andado por aí; tenho fotografado mais do que o costume; tenho anotado mentalmente fragmentos de textos que ainda não escrevi no Moleskine que anda sempre comigo. E tudo o resto. Quando consigo, tiro algum tempo para ficar sentado em frente ao computador, ou onde quer que seja, a tentar escrever, ou a organizar alguma coisa que passe por legível, o que nem sempre é fácil. Vem-me à cabeça aquele "Stay tuned: we're fixing it", que Glenn Gould usou a propósito do CD 318, e de que já falei há meses. Com as devidas intermitências, a emissão continua.

Noites (11).