À vol d'oiseau.
Tenho dificuldade em acordar. Quando olho para o despertador é com um rancor que não me reconheço, mas que fácil e rapidamente disfarço. Sento-me na cama ou levanto-me logo e de repente. Abro a porta do quarto, abro a porta que vai do hall de entrada para o corredor, desligo o alarme, vou para a cozinha, ponho água a aquecer para fazer café. As primeiras palavras que geralmente me saem da boca, dirigidas a ninguém, são
- Estou tão cansado
ou às vezes um
- Estou exausto,
mas sei perfeitamente que nenhuma delas é verdade. Sim, se calhar há aqui cansaço: um cansaço profundo, entranhado. Mas nada que valha a pena verbalizar excessivamente. Enterra-se mais e mais fundo até que um dia, quando saia, leve tudo com ele. Desde que terminei o Mestrado não sei o que fazer. Pronto, o que fazer de mim. E este "não sei", que após anos de estudo me poderia ser leve - um luxo, quase -, tem um sabor estranho, que não reconheço. O problema aqui é que até hoje nunca disse "não sei", sobretudo quando seguido de "o que fazer a seguir". Mas é isso o que se passa. Não sei o que fazer a seguir. Mas sei que não saber o que fazer a seguir não era, de modo algum, o que eu queria fazer a seguir. A água ferve, verto-a para dentro da cafeteira, mexo, empurro o êmbolo. Isto daqui a pouco já não é nada.
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