Um dia qualquer.
Não há nenhuma certeza que nos valha, sempre o soubemos. A caneta suspensa um pouco acima da linha, por exemplo: está assim há quase uma hora, e não há previsão de que volte a tocar no papel. De algum modo, acaba sempre por voltar a escrever. Mas não é certo: a tinta pode acabar-se; o próprio papel; o fôlego dele; a vontade de coar o mundo em palavras; o impulso matinal, ou mais tardio, de se levantar da cama. Tanta coisa pronta a falhar. Um dia decide ficar deitado, deixar fechadas as portadas de madeira que cobrem a janela do quarto; decide não tornar a comer, a beber, deixar-se cair como já foi tantas vezes seu intento. Um dia qualquer, sem marca alguma no calendário - um círculo vermelho oco, um asterisco com menos um traço do que o costume - que o separe dos demais.
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