Nullus reditus.
Sobes as escadas a correr e estacas quando chegas à minha porta. Bates com força. Acordas-me. Levanto-me estremunhado e pergunto quem é, ao que me respondes que és tu. Entreabro a porta e pergunto-te secamente o que queres. E tu dizes-me que não devias ter feito o que fizeste, que me querias pedir desculpa o mais cedo que pudesses - não importa se são quatro da manhã -, que não consegues dormir há dias. O silêncio é a minha resposta. Não se ouve nada além do barulho seco da corrente de ar no interior do prédio. Digo-te que deixaste a porta aberta. E tu dizes-me para me ir lixar e perguntas-me se não sinto nada, se acho que não tens coração - que isto não te está a doer. Não respondo. Perguntas-me se podes entrar. Digo-te que não, que isto tem que parar, que me recuso a ser porto de abrigo ou o caraças; que estou farto; que me cansei. Digo-te boa noite e fecho a porta. Dizes-me por favor e eu repito: boa noite.
Quatro voltas da chave depois, a porta está fechada. Fico colado a ela, do lado de dentro, a ouvir-te respirar. Sentas-te no chão, na esperança quase vazia de que eu ceda - como tantas vezes aconteceu. Do lado de dentro, consigo ver a luz da escada do prédio a apagar-se. Levantas-te, olhas para a porta (sei-o porque te vejo fazê-lo, de dentro do andar), suspiras e viras costas. Desces as escadas com a luz por acender e fechas, por fim, a porta do prédio que tinhas deixado aberta.
Volto para a cama. Abraço-me às almofadas que substituíram o vazio do teu corpo. E tento dormir, com os olhos postos na luz que me entra filtrada pelo estore da janela do quarto.
(Dormir, para variar.)
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