Paleotextos (4).
salvo pela água.
consigo ouvir os homens do lixo
do lado de fora da janela do meu
quarto. o barulho sincopado e
inconfundível das rodas de plástico
a roçarem-se na calçada. um cão
ladra ao fundo da rua. o calor entra-me
pela janela mal fechada. o suor cola-se-me
à nuca e aos ombros nus na cadeira
de palhinha. o cão continua a ladrar.
daqui a pouco mais de duas horas,
parto para o alentejo por um dia, na
esperança vazia de ser salvo por uma
piscina escondida no meio dos sobreiros.
a água vai abraçar-me e o azul intenso
do líquido vai sussurrar-me ao ouvido e
dizer-me que cheguei, que não vou ter
de sair. que me posso deixar ficar ali,
com a terra a perder de vista, com os
meus olhos a morderem o pó da estrada
ladeada de vinhas e de um muro de pedras
empilhadas. alguém vai chegar daqui a
pouco. o carro descerá, lentamente, a estrada
até chegar à enorme tília que está no largo, à
entrada da casa. o pó agita-se. os cães
levantam-se de um sono pesado de cão
e as portas do carro abrem-se e fecham-se.
chego. e acordo.
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