Humano em part-time.
Passeias pelos corredores e, de cabeça, recitas o que vieste comprar
(arroz, alface frisada, gelado, lixívia)
numa tentativa, frustrada desde o início, de te distraíres do vazio que te invade sempre que fazes compras sozinho. Olhas em frente. Sentes que os teus olhos se fecham involuntariamente - se semicerram, à medida que passas por pessoas que, como tu, fazem a maratona das prateleiras
(queijo ralado, sumo de maçã, batatas fritas)
no menor tempo possível; porque é imperativo acabar depressa; sair daqui. Sabes onde tudo está porque sempre funcionaste assim - porque mapeias os sítios; porque os domas antes de os tornares
(atum, massa, detergente para a loiça, água, amaciador)
um hábito teu. É-te automático fazer isto. Mas custa-te. Sentes-te perfeitamente sozinho aqui; desarmado; desprotegido; sem capa ou couraça que te valham. Aqui tu és tu: a rebentar pelas costuras, cheio de qualquer coisa que mal identificas ou sequer controlas, uma corrida suada para chegar à caixa e sair, uma vontade terrível de chorar, de te ancorares ao chão.
Tu: humano em part-time.
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