sexta-feira, setembro 16, 2005

O problema do pretérito perfeito.

Dizes adeus. Começas a dizer adeus só agora quando devias ter começado muito tempo antes. Começas a dizer adeus quando ouves a voz dele, do outro lado do telemóvel. Dele: do homem que, durante os fins-de-semana, te aturava nas tuas tentativas de avançar na aprendizagem de piano; te ajudava a desbravar partituras e partituras; do homem com quem, pela primeira vez, sentiste fazer verdadeiros progressos ao teclado.

(Mas.)

Ele vai desaparecer de Lisboa. Da tua vida. E tu, por não saberes o que fazer, porque esta era uma colisão para a qual devias estar preparado (mas não estás), sentas-te no sofá da sala - ainda estremunhado do sono - e escreves este texto, na esperança de que o dia em que ele anunciou a sua partida não passe em branco; não seja só mais um.

(Quintas perfeitas e terceiras menores. Acordes diminutos. Fá sustenido maior.)

Não sabes o que fazer. Olhas à volta mas nada te ajuda a ultrapassar isto. E como não consegues dizer adeus dizes-lhe, com a cara a franzir-se, com os olhos já alagados, a frase que lhe dizias todas as semanas, finda a aula - uma coisa longínqua, polar, que te parecia tão longe de um adeus mas que agora lhe tomou o lugar:

- Até para a semana, E.

Dizer adeus. Diz adeus. Digo adeus.

("Até para a semana, E.")