quarta-feira, outubro 05, 2005

Ficção (7).

Até ao dia em que ele se virou para ti e te disse

- Chega disto. Chega. Tenho de sair daqui.

Ainda surpresa pela notícia

(naquele tempo, qualquer notícia te surpreendia)

dizes-lhe qualquer coisa que nem tu percebes bem. Talvez te tenha saído um

- Por favor, não vás...

ou então um

- Mas o que é que eu fiz desta vez?

O que quer que fosse, a única resposta que te foi dada foi o ruído metálico do trinco da porta a fechar-se e os passos do teu marido

(o teu marido)

a ficarem mais longe, o som das solas nos degraus das escadas, mais longe, fora dali, para lugar incerto. E tu sozinha no vosso apartamento de Queluz. Telefonava-te de vez em quando e perguntava-te como estavas ao que me respondias, numa voz que mal reconhecia como tua, que estavas bem, que não me preocupasse. Às vezes ficava encostado ao carro ou no café mesmo ao lado da vossa casa

(a tua casa)

na esperança estúpida de ver sinal de ti

(os estores corridos, as luzes apagadas)

mas tu não estavas lá. E agora estava eu sozinho.