segunda-feira, novembro 21, 2005

Verbo: escrever.

Tenho o dicionário aberto à minha frente sem saber

(avulsão, avulsivo, avulso, avultações, avultado, avultar)

a que propósito. Esqueço-me do que procurava. Corro as páginas, confiro ortografias de palavras que sei demasiado bem que não tenciono usar nos meus textos. Ou se calhar é isso, estou

(elipse, elipsígrafo, eplipso-, elipsógrafo, elipsoidal, elipsóide)

à procura das que vou usar das próximas vezes que ligar o computador e entrar no Word. Escrevo e esqueço-me do que escrevo

(guiante, guião, guiar)

com inédita facilidade. Não é que não me apegue aos textos; é que, a partir de um ponto, os partos tornam-se ágeis, ginasticados: sei o que quero, sei como o vou escrever e até sei quanto tempo vou demorar. O problema é ter um daqueles dias em que nada sai, em que consigo ficar a olhar duas ou três horas para o cursor intermitente no início da página em branco que me rosna

(pleno, pleocroísmo, pleomorfismo, pleonasmo)

ameaçador, porque escrever se transformou em qualquer coisa de improtelável. Escrever; cortar; rever; cortar mais; rever. Um processo constante

(rasura, rasurar)

e axiomático. Saio. Sento-me. Como. Bebo. Ando. Leio. Falo. Vejo. Volto. E escrevo. Digiro a realidade e, quando calha, faço-a ficção. Terminado o processo, repito-o sem me repetir. Abro o dicionário na primeira página

(a, A)

e retomo a leitura procurada do que escrever.