João, Natal 87.
As imagens têm vinte e um anos. Eu tinha sete. Estou à mesa a almoçar contrariado. A minha mãe está sentada à minha esquerda. A Bia aparece no lado direito do ecrã. Olha para mim, mas quem vê primeiro, sentado no meu lugar, é o meu pai, que conheceu desde pequeno. Uma ternura momentânea invade-a e sorri. Era amiga da família e costureira de serviço. Perante o alheamento da minha avó paterna - demasiado ocupada com os seus romances camilianos -, foi a Bia a minha avó: quem aos fins-de-semana me lia histórias; quem dava comigo voltas concêntricas pelo jardim em torno da casa; quem me cosia bolsas de tecido com padrões coloridos para guardar coisas, com a inicial do meu nome cerzida a linha vermelha por cima do fecho. Tenho muitas saudades da Bia. Quando o filme acaba, ela pousa os óculos, levanta-se, sai da mesa onde entretanto se tinha sentado a ler. A cassete principia uma chuva cinzenta e preta. Eu estou deste lado do ecrã, com os pulmões pequenos do choro e a cara molhada.
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