Terreno pantanoso.
As manhãs são dos meus dias o lugar mais solitário, o instante de todas as saídas em que só o vazio permanece; são a altura do abrir e fechar de portas ligeiramente descompassado, dos passos rápidos e mais trôpegos escada abaixo. Atrás da gente que sai, ficam as casas e fico eu. Acima do meu apartamento, só os passos de um cão que se passeia já entediado pelas divisões em que os vários donos não estão; na rua, os carros vão saindo aos poucos dos lugares onde passaram a noite, revezados por outros que agora chegam. Nem fome costumo ter: vou descalço até à cozinha, ligo a máquina de café; abro a porta do frigorífico, sinto um enjoo leve, fecho-a em seguida. Volto ao quarto, sento-me uns minutos sobre a cama ainda morna. Penso em voltar a dormir, mas não o faço. O que salva as minhas manhãs - se alguma coisa as salva de facto - é aquela cesura invisível das dez horas, em que tudo deixa de parecer tão grave. Chega o carteiro: às vezes tem uma ou duas encomendas para mim, e de repente há música nova para ser ouvida, ou livros com páginas ainda por folhear, ou ambos. De resto, as manhãs são terreno pantanoso - que evito o mais que posso, sob pena de me afundar.
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