domingo, março 06, 2005

Profissão: anagnórise.

Estou a sair de casa à pressa e, pouco antes de ligar o alarme, apercebo-me: sou uma anagnórise - é impressionante o sentido que isto me faz e quanto isto explica. Atraso-me um pouco e escrevo "Não esquecer: tu és uma anagnórise" num post-it que arranco do bloco. Colo-o, ironicamente, no The Penguin Dictionary of Literary Terms and Literary Theory, de J. A. Cuddon. Quando regresso a casa, às duas ou três da manhã - não me lembro ao certo da hora - procuro (e encontro) anagnorisis; e ali estou eu, descrito em seis linhas:

anagnorisis (Gk 'recognition') A term used by Aristotle in Poetics to describe the moment of recognition (of truth) when ignorance gives way to knowledge. According to Aristotle, the ideal moment of anagnorisis coincides with peripeteia (q.v.), or reversal of fortune. The classic example is in Oedipus Rex when Oedipus discovers he has himself killed Laius. See TRAGEDY.

Dizia eu que era uma anagnórise. Confirmo: sou uma anagnórise. Não tanto para mim (embora também às vezes) mas para as pessoas com quem estou e estive. Fui e sou uma anagnórise - o derradeiro momento de reconhecimento; a luz que se faz quando já há muito se deixou de esperar; a percepção (dura ou não, não me cabe a mim dizê-lo) de que é imperativo e impreterível seguir em frente, de que uma anagnórise vale um momento - e um momento só - e de que esse momento passa, sendo preciso andar para outros que fiquem como uma mancha ou coisa melhor.

O reconhecimento. A peripécia. E o fim em mim mesmo contido. Eu. A anagnórise encarnada e reencarnada. Vezes e vezes sucessivas.

("Partida. Largada. Fugida.")