Ficção (3).
No táxi, esqueces-te do sítio para onde vais. Quando chegas e o condutor to sublinha,
("Ora aqui estamos...")
pagas e sais de rompante. Estás na rua. Perdida algures na extensão da Avenida de Roma. Tentas encontrar-te mas apercebes-te de que não importa, realmente, onde estás. Entras num café, pedes uma italiana (um hábito que te ficou do tempo de faculdade); bebe-la e sais. Não estás perdida em Lisboa. Sabes exactamente onde estás. Sabes perfeitamente para onde tens de ir. Mas "ter de" não se equipara a "querer". Desces lentamente, pelo passeio. Não ligas às montras nem às letras garrafais, em cores berrantes,
(SALDOS 50%)
que te anunciam qualquer coisa que não te interessa. Desces. Passas em frente à Barata (outro hábito de faculdade), mas resolves não entrar. A aquisição hoje é outra. Tiras do anelar da tua mão esquerda a aliança dourada insuportável que te rememora, ad nauseam, o facto de estares casada há quinze anos com um homem que detestas pelo menos há catorze. E deita-la no lixo porque sabes que nada nela é reciclável; que nada dela se salvará.
(Tara perdida.)
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