Ficção (19).
Ao encontrá-la no corredor dos enlatados não a reconheces mas há qualquer coisa na cara dela
(os olhos, a boca, a maneira como franze a testa ao ler os rótulos das embalagens)
que te faz pensar se não será alguém que acabaste por esquecer, por virtude do que fosse. Ela tira a lata de milho da prateleira. Coloca-a dentro do cesto que tem pousado ao lado do seu pé esquerdo. Olha para trás, vês apenas o movimento dos lábios. Sem som. Um homem aproxima-se, desvia-lhe o cabelo e beija-a no pescoço. Vê-la sorrir.
É ela. O nome dela
(Mariana, Ma-riana, Mari-ana, Ma-ri-a-na)
dito vezes sem conta. Ela. A mulher que deixaste sem pensar. A mulher que pensavas ter ficado em Queluz - infeliz - e que, passado meses, está aqui, a fazer as compras da semana ou do dia com um homem ao lado. Com outro homem ao lado.
(Não foste tu que a esqueceste; foi ela que te apagou.)
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