quarta-feira, dezembro 07, 2005

Ficção (19).

Ao encontrá-la no corredor dos enlatados não a reconheces mas há qualquer coisa na cara dela

(os olhos, a boca, a maneira como franze a testa ao ler os rótulos das embalagens)

que te faz pensar se não será alguém que acabaste por esquecer, por virtude do que fosse. Ela tira a lata de milho da prateleira. Coloca-a dentro do cesto que tem pousado ao lado do seu pé esquerdo. Olha para trás, vês apenas o movimento dos lábios. Sem som. Um homem aproxima-se, desvia-lhe o cabelo e beija-a no pescoço. Vê-la sorrir.

É ela. O nome dela

(Mariana, Ma-riana, Mari-ana, Ma-ri-a-na)

dito vezes sem conta. Ela. A mulher que deixaste sem pensar. A mulher que pensavas ter ficado em Queluz - infeliz - e que, passado meses, está aqui, a fazer as compras da semana ou do dia com um homem ao lado. Com outro homem ao lado.

(Não foste tu que a esqueceste; foi ela que te apagou.)