quarta-feira, novembro 30, 2005

Noventa e oito noventa e nove.

Ela disse-te

- Acredita que também achei estranho

mas tu não ouviste porque a tua pele ainda pensava nele; porque o teu nariz ainda se lembrava do cheiro dele. Ela continuou, ainda assim

- O T. perguntou por ti no outro dia mas

e tu ainda ausente, uma distância quilometricamente impossível. Tu ali, com o café a arrefecer à tua frente, a ouvires a ladainha férrea dos comboios que passavam ao lado da plataforma. A lembrares-te das manhãs em que, arrancado do falso torpor dos subúrbios pelas seis da manhã, te sentavas na carruagem do metro e fazias o percurso habitual

(Cais do Sodré, Baixa-Chiado, Marquês de Pombal, Campo Pequeno)

ao som de um CD ou a ler um livro. De como esses dias, feitos remotos, permanecem como um marco; a tua memória nunca os deixará passar. Os almoços esporádicos num restaurante italiano com o A., com quem te encontravas à saída da estação do Saldanha e durante os quais ficavas a par dos seus mais recentes triunfos ou desaires passionais.

- Pois, sabes, é uma situação muito complicada até porque

Dos anos agora aparentemente longínquos de noventa e oito noventa e nove guardarás sempre a memória confortável de gente conhecida (a quem esqueceste com rapidez óbvia), de coisas feitas, de textos escritos, de estreias e glórias académicas, de amizades novas (das quais poucas restaram); de uma nova vida; do começo dos começos.

Pegas no café. Bebes. E deixas de ouvir a conversa à tua frente e à tua volta.