terça-feira, maio 23, 2006

Os casamentos dos meus amigos.

Há pessoas que me consideram amigo sem terem grande prova de uma afirmação desse porte. Mas vá, prescindamos das aspas e chamemos-lhes amigos, pronto.

Os meus amigos casam-se com uma urgência de quem sufoca. Recebo convites de gente com quem não tenho uma conversa decente há anos porque a prenda é necessária. Eu não caso. Nem penso nisso. A não ser quando abro os convites para os casamentos dos meus amigos, coisas exóticas, sempre com muitos dourados e em papéis espessos ou materiais rebuscados.

Fazem-me pensar.

Alguns casamentos fazem-me lembrar crianças que jogam à apanhada e que deixam de poder ser apanhadas uma vez que toquem num lugar seguro como um banco de jardim ou a parede de uma casa. Toma, toma - já não me apanhas. Sento-me nas recepções anteriores e posteriores e penso em tudo menos naquilo. Canso-me. Penso em meter-me no carro, arrancar; deixar pendurada a noiva encafuada pelo gosto duvidoso numa mistura perigosamente inflamável de folhos, rendas, cetins. Canso-me da banda que toca músicas enlanguescidas - e com sentidos duplos estupidamente óbvios - para os sabujos que dançam bêbados. Penso em engolir de uma só vez as não-sei-quantas benzodiazepinas que tenho no bolso esquerdo do casaco; em dizer

- Quem não joga mais sou eu.

Mas deixo-me estar sentado. Como na mesa da gente não casada. Levanto-me sem que se note, congratulo os noivos cujos nomes telenovelescos me entediam tanto como os votos insípidos que há horas proferiram e, hipócrita como consigo ser, ainda pergunto se posso levar uma ou duas fatias do bolo de proporções épicas que está ao meio da sala. Entro no carro e conduzo até casa sem desapertar nem um pouco que seja a gravata. Vou precisar de um duche bem grande para poder raspar do corpo um dia assim.

Felizmente os meus amigos-amigos - sem aspas (mesmo quando as aspas são invisíveis) - não são assim. Respiro de alívio ao escrever esta frase.