As coisas são muito simples.
Às três da manhã, quando leio ou escrevo, há uma espécie de lucidez cortante que me é muito cara. Preso no meio de páginas de cifra, fico parado em frente ao portátil com o cursor que pisca impaciente e que descansará apenas quando a página estiver cheia - e depois dela as seguintes que não existem ainda. A T. não está cá. A casa tem as luzes habituais acesas.
Levanto-me da cadeira com arrogância espavorida, estico as pernas e ponho água a aquecer para um chá tão snob como este texto. Dou por mim a cantar a letra do "Millbrook", do Rufus Wainwright. Falta-me viver, mas todos os dias faço esforços.
(Um sorriso súbito e incontrolável.)
Agora três e quinze da manhã e ainda tanto por fazer. Encosto-me à parede do corredor, fico a olhar para as fotografias alinhadas na parede oposta. Talvez seja da hora ou de estar cansado ou se calhar não é de nada disso; seja como for, lembro-me do que o N. me disse no outro dia - três anos passados sobre a última vez em que nos tínhamos visto e parecia que tinha sido ontem -, quando tomámos café,
- As coisas são muito simples
e aquele
- As coisas são muito simples
faz-me um sentido brutal porque não tinha pensado nisso com a tranquilidade que uma frase destas pressupõe. Como disse, pode ser cansaço. Mas a esta hora apetece-me dizer o que disseste, N. - dizê-lo eu com um piscar de olhos lascivamente incisivo de quem se apronta para sibilina tarefa, mas em regime part-time.
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