Cartas.
Os mortos persistem nas contas de telefone, electricidade, gás; nos retratos em família comidos pela luz, preservados em molduras poeirentas. O nome dos mortos e o seu corpo persistem, sem que os varramos por completo. Às vezes chega uma carta ao sítio onde moramos: pela janela transparente do envelope, um nome velho, que não reconhecemos; o anterior habitante da casa a quem, falecido, ainda escrevem. Deposita-se a carta no topo da caixa de correio, na esperança de que o carteiro a leve no dia seguinte. Ou então declaramos morto o destinatário, mas as cartas voltam porque estar morto não é desculpa para não escrever. Anos mais tarde - muitos, espera-se -, os nossos envelopes ficarão por abrir, as contas por pagar, as cartas amontoadas no interior da caixa de correio vermelha na entrada do prédio. Mudámo-nos ou morremos. A diferença é pouca.
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