terça-feira, outubro 14, 2008

Um fantasma.

Não usa um lençol com recortes circulares onde estão os olhos, não precisa disso. Os grilhões dispensam-se, podem ficar arrumados à espera de melhores dias. A voz grave e com eco não é necessária. E um fantasma, pensando nisso agora, não precisa de aparecer apenas à noite ou em divisões escuras ou quando chove e troveja. Um fantasma aparece e pronto. Sentimo-lo na sala quando estamos de costas para ele. Por nos ser familiar, não gritamos quando o vemos; antes, convidamo-lo a sentar-se e ficar por ali; oferecemos-lhe café e pedimos-lhe que nos conte histórias - que nos faça companhia porque tanto do que então nos resta é espectral. Já cansados, pedimos-lhe que volte no dia seguinte à mesma hora; que nos aqueça os pés, se puder; que tranque a porta, dê comida ao gato, traga um copo de água para a mesa-de-cabeceira; que se deite ao nosso lado como um cônjuge, e nos repita ao ouvido esquerdo palavras antigas, há muito empoeiradas.