Ficção (59).
Uma coisa que faço muito desde que as coisas acabaram é encolher os ombros. Encolho os ombros por tudo e por nada: quando adormeço no sofá, quando me canso de um CD que estou a ouvir, quando pouso um livro e não o retomo, quando acordo e antes mesmo de começar a pensar. Encolho os ombros e normalmente acrescento um
- Que se lixe
que no fundo nada acrescenta. Isto para não falar de quando deixo cair seja o que for, quando a chávena transborda, quando por acaso queimo o jantar porque perdi a conta ao tempo que faltava para estar pronto. Parece que nas últimas semanas pouco mais tenho feito além de encolher os ombros e dizer
- Que se lixe
na esperança de que as coisas se recomponham, de que tu desfaças o erro; de que isto tenha sido um daqueles sonhos de que acordamos mais cansados do que quando nos deitámos. Se mais nada, esperança de que torne a sentir mais do que apenas o pulsar metronómico do meu coração no seu sítio tão preciso - de que pare finalmente de encolher os ombros, e de proferir a frase-reflexo que acompanha esse movimento.
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