quinta-feira, novembro 20, 2008

Ficção (60).

Estou certa de que seria feliz com o carteiro, mas não sei de que haveríamos de falar. Talvez passássemos os primeiros tempos juntos calados, e findos nos unisse apenas o silêncio. O primeiro olá talvez fosse gutural e mal articulado; guturais e mal articulados também o primeiro bom dia, boa noite, gosto de ti, que fizeste hoje. Aprenderia a dizer-lhe

- Tem um bom dia, querido

ou um

- Até logo, 'mor

quando ele saísse de manhã para ir trabalhar, com direito à elisão do "a" inicial como simulacro de proximidade. Não sei o que teríamos em comum. Pouco ou nada, é quase certo. Não sei sequer o que me levou a pensar - a estar quase certa - de que seria feliz com o homem que todos os dias me traz as cartas que não recebo. Estar só tem destas coisas, e há dias em que estas coisas pesam mais.