Ficção (63).
A conversa encurtou-se. Conseguiam ouvir a respiração um do outro do lado de lá da linha, e um qualquer barulho de fundo mais persistente - um pássaro na nespereira, um avião que passava mais baixo, o murmúrio eléctrico do televisor, um carro às voltas na praceta. Passaram-se alguns minutos; outros tantos depois desses. Não disseram nada. Terá havido, é certo, um momento em que um deles concluiu que aquela conversa tinha chegado ao fim - e eles com ela. É impossível precisar o tempo que terá decorrido entre esta consciência do fim e a coragem para pousar finalmente o auscultador no descanso; e é até plausível que, por despeito ou emoção congénere, houvesse vontade de cercear a chamada quanto antes, na tentativa de evitar que tudo terminasse com um silêncio fosco, perdido algures na continuidade quilométrica de cabos telefónicos entre as suas duas casas. Seja como for, há coisas que ficam sempre perdidas pelo caminho, sujeitas a uma erosão contínua e implacável. Não se falam desde então; mesmo que tentassem, é provável que não conseguissem. Há coisas que ficam partidas pelo caminho.
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