quinta-feira, setembro 08, 2005

Evolução parcial da espécie.

Recordo com saudade e apreensão os dias em que podia dizer, de forma mais ou menos inconsequente, aquilo que achava de determinada pessoa ou situação - custasse a quem custasse. Apercebo-me agora, talvez demasiado bem, de que a em nada eventual brutalidade do embate verbal turvava, então, a mensagem a ser transmitida; por outras palavras, o conteúdo era perfeita e completamente destruído pela forma que lhe servia de veículo.

(Mas aprendi.)

Aprendi, com o passar dos anos, a dizer coisas de uma crueldade brutal com a subtileza de um cirurgião experiente, com a precisão de uma anestesia local. Surgiram-me, por geração espontânea, variações no tom de voz, no nivelamento das sobrancelhas, na posição das mãos sobre uma mesa; milhares de sorrisos cujas ínfimas inflexões a pedra de Rosetta não lograria decifrar. E tornei-me arsénico em proporções mínimas, imperceptíveis - silencioso e indetectável mesmo numa toma continuada.

("Senhoras e senhores: o esfinge.")