Artista convidado.
Quando comecei a falar contigo tive de aprender a pôr o coração de parte. Isto parecia-me estranho: pegar nele, no início de cada conversa, e pô-lo guardado num armário ou numa mesa imaginada ao lado do sítio onde estivéssemos. Aos poucos apercebi-me de que falar contigo, e amar-te como consequência, era sobreviver-te. Um coração é um órgão limitado - sabes isso tão bem como eu; temos de o ir preservando, resguardá-lo como a um filho. Quando encontramos alguém como tu - e são poucas as vezes em que se encontra alguém como tu - não há escolha: oferecemo-lo se sabemos que pode ser aceite; se não sabemos ou sabemos que não, fazemos o que faço, percebes? É pegar nele e guardá-lo, pô-lo de parte. Na impossibilidade de te incluir na minha vida, ou de ser por ti incluído na tua, conformo-me com o estatuto de artista convidado - aquele actor que, numa série, aparece esporadicamente na cena já habitual ao espectador; o tio afastado, o primo esquecido, o amigo dos pais ou dos avós, um antigo vizinho. Se isto não é declaração de intenções suficiente, então não sei o que será.
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