Annus mirabilis.
Dois mil e nove foi um ano prodigioso em mais do que um sentido. Arrumou-se quase tudo, desde a casa às ideias; fez-se o ponto da situação em vários campos, e foi-se coxeando habilmente pelo meio de territórios inexplorados. Foi também o ano da fuga derradeira dos fantasmas de dois mil e oito e anteriores, e do reatar feliz de nós esquecidos desde a saída da Faculdade. Conheci pessoas sem as quais já não imagino a minha vida, e que me levam a perguntar-me por que terrenos estranhos andei sem elas ao lado - não é um exagero, é um facto. Ouvi boa música e má música; vi bons filmes e filmes maus; tornei a beber café, depois de um interregno de oito meses; tive conversas que começaram de tarde, e acabaram no dia seguinte de madrugada, com a voz já erodida; ri-me em jantares em restaurantes chineses e afins, em almoços, em ensaios gerais, em alturas mais e menos oportunas; falei alto e falei baixo; comecei por fim a aprender japonês; voltei ao Alentejo; ouvi e contei histórias; senti-me tão vivo em tantas alturas que achei que morria. Já na coda do ano, vem-me à cabeça aquele "A quite unlosable game", do poema de Larkin que dá nome a este texto. E sendo certo que há jogos aos quais havemos sempre de perder - umas vezes mais do que outras -, dois mil e nove foi sem dúvida a aposta ganha que não fiz.
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