segunda-feira, julho 11, 2016

Museologia.

Parece-me tudo uma ficção bem engendrada, colorida, com os ângulos certos. Estou há uma hora a olhar para as fotografias dos teus últimos dois ou três anos, talvez mais, a tentar fazer algum sentido da vida que tiveste. A falta de legenda na maioria das imagens faz com que a imaginação se lance em voos picados, suicidários, dos quais chegam ao solo apenas alguns destroços — o resto atomizou-se. Tento apanhar-te desprevenido, encontrar um gesto que te traia, um sorriso mais forçado, qualquer coisa. Em vez disso, apanho-me a olhar para ti, na minha condição de visitante de um museu com um curador criterioso e compulsivo, um museu com muitas salas, todas cheias e meticulosamente dispostas. Entre mim e as imagens, uma trança gorda de veludo, sustida entre postes que se repetem de tantos em tantos metros. Por hoje, a visita chega ao fim. Saio sem fazer barulho, com o esqueleto sacudido e o coração em desarranjo.

quinta-feira, setembro 25, 2014

In illo tempore.

Cristalino.

"Cristalino": um adjectivo que, usado naquela idade, podia ter sido fatal. Quase vinte anos mais tarde, reconheço que a minha professora de português do décimo primeiro ano tinha toda a razão: cristalino — e quebradiço, como tal.

terça-feira, dezembro 10, 2013

Exclusão de partes.

Façamos as coisas por exclusão de partes: excluo-me eu, ficam as partes.

quarta-feira, outubro 23, 2013

Paradeiro.

Pessoas que não vejo há anos pedem notícias minhas à minha mãe quando a encontram, e fica-se com a sensação de que é algo que transcende a mera pergunta educada, de que têm saudades minhas. A questão é: de quê, de quem? Passaram-se anos, cá está, e quem nessa altura conheceram entretanto sumiu-se. Acreditem, o meu paradeiro não podia ser mais desconhecido.

terça-feira, maio 14, 2013

Sextante.

Nem toda a escrita se quer autobiográfica, nem toda a autobiografia se quer escrita.

terça-feira, agosto 28, 2012

Estante.

domingo, agosto 12, 2012

À socapa.

Vejo agora que te deixei agitado. Ou talvez tenha tomado a agitação pela curiosidade. Mutatis mutandis, acaba por ir dar ao mesmo: ditados noutras línguas, com gatos e coelhos à mistura, sem que aqui te seja fatal a tua minúscula peregrinação diária. Se me encontras calado, voltas noutro dia; deixas a porta entreaberta, para espreitar à socapa.

terça-feira, julho 24, 2012

Chá.

segunda-feira, junho 18, 2012

The lost art of conversation.

Conversation is life, language is the deepest being. We see the patterns repeat, the gestures drive the words. It is the sound and picture of humans communicating. It is talk as a definition of itself. Talk. Voices out of doorways and open windows, voices on stuccoed-brick balconies, a driver taking both hands off the wheel to gesture as he speaks. Every conversation is a shared narrative, a thing that surges forward, too dense to allow space for the unspoken, the sterile. The talk is unconditional, the participants drawn in completely.

This is a way of speaking that takes such pure joy in its own openness and ardor that we begin to feel these people are discussing language itself. What pleasure in the simplest greeting. It's as though one friend says to another, "How good it is to say 'How are you?'" The other replying, "When I answer 'I am well and how are you,' what I really mean is that I'm delighted to have a chance to say these familiar things — they bridge the lonely distances.

[ Don DeLillo: The Names. ]

Revisão.

Ciências da comunicação.

Não há diálogo possível com um monólogo.

Edição crítica.

Aponho aos textos que escreves comentários invisíveis à margem, quase frase a frase — uma espécie de edição crítica, de notas para a leitura da obra de. Dir-me-ás que os critérios editoriais não foram bem definidos; que há lacunas e imprecisões graves; que estas anotações não servem para outro leitor que não eu; que «isso não é bem assim». Enganas-te, e eu sorrio.

Farol.