sábado, dezembro 31, 2005

Mais posts em dois mil e seis.

É pouco provável que hoje apareça aqui novamente para postar. Aqui deixo o desejo de uma óptima entrada em dois mil e seis. Vemo-nos para o ano!

(Ou seja, daqui a coisa de vinte e quatro horas.)

Escuta ao pormenor.

Ficção (25).

E encontraste na erosão matemática das coisas aquilo que te possibilitou continuar a sonhar por tempo que sabias indefinido.

Ontem, das 15h30mins às 17h19mins.

Andei de um lado para o outro à procura de dois filmes que, por acaso, vi referenciados num outro que vi ontem à noite. Resolvi ir à FNAC do Chiado. Carro, trânsito, congestionamentos sucessivos. Rua da Misericórdia calma, algumas pessoas. Viro à esquerda e faço caminho até ao parque de estacionamento onde costumo deixar o carro

(piso E4, os restantes devidamente preenchidos)

e meto-me no elevador até à superfície. Desço as ruas do costume

(reparo na loja de vinhos e afins que abriu à minha esquerda; as partituras estão fechadas?)

e é quando chego à Garrett que me apercebo da massa de gente que está ali. Tinha sido avisado pela R. que hoje Lisboa estava impossível, mas resolvi não prestar muita atenção. Consigo entrar na FNAC, dirijo-me ao piso inferior, à secção de DVDs e pego no All about Eve, no Sunset Boulevard e, na parte musical, no All I Want, do Rufus Wainwright. Dirijo-me à caixa,

(espero na fila durante cerca de cinco minutos)

pago e saio. Mais gente. Volto para o parque. Pago. Entro no carro. Saio. Volto para casa. Dou quatro voltas à rua onde vivo para encontrar lugar e lá encontro um. Fecho o carro, entro no prédio, entro em casa e, uma vez descalço e com o relógio tirado, ponho chá a fazer.

terça-feira, dezembro 27, 2005

Plano de trabalho para a semana.

Ler cinco livros e diversos artigos. Escrever. Beber chá. Beber café. Ler mais. Escrever mais. Beber mais chá. Beber mais café. Reler. Imprimir. Entregar.

(Descansar.)

Comentário desnecessário (43).

Rudimento.

Adoro a maneira como o meu nome soa quando és tu a dizê-lo.

Ficção (24).

Disseste-me

- Entende.

Eu ainda a dormir, uma recusa em acordar. Tu a tocares-me no ombro e a perguntares-me

- Estás a ouvir?

num tom roufenho e desgastado que acabei por associar à voz que tinhas sempre que te sentias culpado. Disseste-me

- Natália, tu tens de entender. Tu tens

e eu a pensar nas coisas que tinha para fazer durante o dia; na roupa que me esperava na lavandaria; nas compras

(pão, chocolate, queijo, chá, cenouras, alface, vinho branco, adoçante)

ainda em lista. Eu a pensar na tua mão no meu ombro; a pensar nas maneiras infinitas de ta fazer tirar dali. Quando me pus a pensar naquilo que vi em ti, dei por mim a não perceber: tu, um homem baixo; o teu hábito quase obsceno de deglutir ruidosamente minúsculos rebuçados para a tosse; a tua incapacidade crónica de te despedires com um beijo; a tua ejaculação demasiado célere e o pedido de desculpa gaguejado subsequente; o teu receio estúpido em encontrares-te comigo em lugares públicos. Virei-me para ti e disse-te

- António, estou grávida.

Disse-to porque sabia que era a única maneira de me ver livre de ti sem dar excessivas voltas à cabeça. Disse-to porque, sendo mentira, era a frase singular que te apagaria de mim; a borracha de efeito imediato. Levantaste-te. Calçaste os sapatos. E sem uma vez olhar para trás fechaste a porta de mansinho.

(E nunca mais ouvi de ti.)

sábado, dezembro 24, 2005

Planificação parcial para os próximos dois dias.

Acordar mais cedo. Ler os livros que estão espalhados pela mesa da sala. Redigir capítulo mais curto para cumprir prazos e poder começar a escrever o seguinte (maior). Passar pela FNAC (talvez só para a semana) a averiguar o que há de novo. Obrigar-me a ver aqueles dois DVDs do Fellini que estão na estante a apanhar pó. Rever Lost in Translation. Avançar com o estudo do primeiro andamento da sonata.

Comentário desnecessário (42).

Ontem, das 14h47mins às 20h14mins.

Saio de casa. Meto-me no carro. Arranco com destino a alguns quilómetros daqui para ir comprar uma prenda para mim mesmo. Depois volto a casa. Telefonema do N. - remarcamos café para o dia seguinte. Oiço as chaves da T. na porta: ei-la, chegada de Barcelona e já de fugida para o Alentejo - ponho-a a par das novidades

(poucas)

existentes na casa desde Setembro, pergunto-lhe como correm as coisas, que tal se sente. Tudo em coisa de trinta minutos. Talvez nem tanto. Quando a porta do prédio se fecha, fecho a porta do andar. Arrumo o casaco. Arrumo a mala. Tiro os sapatos.

(E só então noto que a casa está fria.)

Telefono ao P., falamos um pouco com a certeza reconfortante e sempre presente de que falaremos mais ao longo do dia. Ponho café a fazer. Sento-me no sofá. Telefono à minha mãe, pergunto-lhe como estão as coisas pelo Alentejo e digo-lhe para ter cuidado com o frio. Mando-lhe um beijo e digo-lhe que gosto muito dela - porque a verdade é essa: gosto muito, muito dela. Aproveito para enviar mensagens de Natal aos que me são mais queridos; vou recebendo os relatórios de entrega à medida que as envio. Telefonema da I., cheia de saudades, a perguntar-me quando me vê. Pergunto-lhe como tem andado, que tem feito, se está tudo bem. Terminamos a conversa

(consigo ouvir-lhe o engulho do choro quase a rebentar)

com um beijo e a promessa de uma visita em breve. Telefonema do F.

(foi bom ouvir-te, F.)

a agradecer-me a mensagem. Conta-me que mudou de casa (agora está a viver sozinho) e de emprego; digo-lhe que tenho acompanhado as mudanças através do blog dele. Fica no ar o convite para um chá um dia destes. Desligamos.

O café está pronto. E à medida que o bebo um sorriso enorme.

(Sinto-me feliz.)

quarta-feira, dezembro 21, 2005

Ficção (23).

Quando saíres e os teus pés soarem nos degraus, o teu som, o teu respirar, o teu cheiro e o teu riso ainda cá.

Ontem, às 23h02mins.



Espaço para novas mensagens.

É-me especialmente difícil apagar mensagens escritas que tenha guardadas. Sobretudo porque penso que, se as tenho guardadas, por alguma razão será. É que uma mensagem escrita não é só aquele conjunto - maior ou menor - de caracteres no ecrã: é tudo o resto, todo o contexto de escrita, envio e recepção.

Esta tarde, porque precisava de espaço para novas mensagens, deu-me para começar a ver as relíquias que tinha na memória do telemóvel. E espantei-me por descobrir mensagens ainda de dois mil e três e dois mil e quatro que, entre outras coisas, combinavam almoços, cafés, jantares, lanches e idas ao cinema comigo; me desejavam um feliz Natal e uma óptima entrada em dois mil e quatro e dois mil e cinco; me felicitavam pelo meu vigésimo quarto e vigésimo quinto aniversários. E depois as outras: as dúvidas existenciais, os problemas afectivos, a solidão, questões de ortografia, conselhos e pedidos de ajuda aos mais variados níveis e sob as formas mais diversas.

Pelos telemóveis que tive antes deste - e por este também -, tenho espalhados centos de mensagens, mapas parciais e parcelares dos anos em cento e sessenta caracteres.

(Narrativas curtas, minhas e dos meus, que me recuso a apagar.)

As compras de Natal.

Na esperança de encontrar as lojas menos congestionadas, a R. e eu fomos fazer as compras de Natal durante a semana: segunda-feira, ao início da tarde; ontem, da parte da manhã. Expectativas frustradas: gente por toda a parte, em especial na FNAC.

(Já sabes, R.: para o ano fazemos as compras em Setembro.)

Comentário desnecessário (41).

Ficção (22).

Lembravas-te de mim como quem se lembrava de um hábito velho; era-te instintivo; nem tinhas de pensar. Tocavas-me à porta num fim-de-semana em que te sentisses perfeitamente sozinha e, com a voz já turva do álcool, dizias

- Sou eu, deixa-me entrar

ao carregar compulsivamente no botão do intercomunicador correspondente ao meu andar. Segundos passados, a porta abria-se e estavas a salvo. Era esta a tua rotina há quatro anos atrás, quando ainda vivias naquele apartamento em Campo de Ourique, perto de uma pastelaria que, dizias-me tu, fazia os melhores pastéis de Belém que tinhas comido. Servia-te, sempre que possível, de bóia para os teus desastres emocionais. O resto não importava. Como não importava saberes o meu nome

(às vezes Mário, outras vezes José, outras vezes ainda Francisco)

porque o meu nome

(Artur)

era irrelevante. Tocavas. Subias. Choravas. Falavas. Sorrias. Saías. Até ao dia em que me mudei e deixei de te ouvir tocar à minha porta.

sábado, dezembro 17, 2005

Ficção (21).

Porque era quando pousavas a tua mão sobre a minha e a apertavas que eu sabia que podia adormecer; que ainda estarias ao meu lado quando acordasse.

Comentário desnecessário (40).

Abrir o baú e olhar.

Não deixa de ser interessante que, ao passar os olhos pelos arquivos aqui do blog, consiga reconhecer os momentos exactos em que escrevi os textos e em que tirei as fotografias que publiquei. Sei perfeitamente onde, quando e por que razão / com que propósito um post foi escrito; conheço as intenções das imagens que tenho aqui afixadas. Um ano e meio, mais coisa, menos coisa. Da frustração à alegria, da raiva à inércia, da sonolência aos sorrisos rasgados, do cansaço intelectual à produção escrita (e não só) em volume quase absurdo: reconheço-me no Maiúsculas; reconheço-o como uma espécie de diário irregular em cifra.

(Sim. É isso.)

Ele secciona, nós seccionamos.

Acrescentei à barra lateral uma nova secção ("Dose diária recomendada") com os blogs que costumo visitar diariamente. Andava há já algum tempo para o fazer mas só ontem acabei por tratar disso.

Outra novidade: novo endereço de e-mail na secção "Caixa de correio". Comentários, mensagens, dúvidas existenciais e afins podem (e devem) ser enviados para unsavouryfinnegan@gmail.com.

segunda-feira, dezembro 12, 2005

Poema urbano.

Hoje, às 4h09mins.

Um dicionário de sinónimos nem por isso é um bom romance.

Ficção (20).

E depois era o fim. Era o teu corpo no dele e o dele por toda a parte; os ofegares que enchiam as assoalhadas ainda vazias

(ele tinha-se mudado há pouco tempo; a ti pouco te importava)

com rapidez alarmante. Quando chegava tudo ao fim, ele sentava-se na cama, vestia as calças, dizia qualquer coisa muito baixo, levantava-se, desligava as luzes e depois deitava-se ao teu lado

(tu de olhos fechados)

onde acabava por adormecer em tronco nu, abraçado a ti. Acordavas com ele a olhar-te. Escondias-te debaixo dos lençóis por teres um feitio avesso a elogios mesmo que mudos. Beijava-te o pescoço e, com a voz trôpega do sono, dizia-te coisas

(- Amo-te, sabes?)

que tomavas como um linguajar remoto, porque nunca as tinhas ouvido. Ele era o começo de tudo, distante de todos os fins. Ele era o fim de todos os teus começos.

quarta-feira, dezembro 07, 2005

Sono, madrugada, chá.

Adormecer calmo com a televisão como ruído de fundo. Acordar, horas passadas, noutro programa e no mesmo sítio

(o silêncio das divisões a preencher os hiatos entre as luzes)

e, lentamente, fazer o caminho até à chávena de chá mais próxima.

Comentário desnecessário (39).

Ficção (19).

Ao encontrá-la no corredor dos enlatados não a reconheces mas há qualquer coisa na cara dela

(os olhos, a boca, a maneira como franze a testa ao ler os rótulos das embalagens)

que te faz pensar se não será alguém que acabaste por esquecer, por virtude do que fosse. Ela tira a lata de milho da prateleira. Coloca-a dentro do cesto que tem pousado ao lado do seu pé esquerdo. Olha para trás, vês apenas o movimento dos lábios. Sem som. Um homem aproxima-se, desvia-lhe o cabelo e beija-a no pescoço. Vê-la sorrir.

É ela. O nome dela

(Mariana, Ma-riana, Mari-ana, Ma-ri-a-na)

dito vezes sem conta. Ela. A mulher que deixaste sem pensar. A mulher que pensavas ter ficado em Queluz - infeliz - e que, passado meses, está aqui, a fazer as compras da semana ou do dia com um homem ao lado. Com outro homem ao lado.

(Não foste tu que a esqueceste; foi ela que te apagou.)

Em frente ao teclado.

Deslizar os dedos pelas teclas. Conhecer a partitura nota a nota. Conhecer, de coração, o piano - e tomar como nossas as figuras a cada página.

(E, sobretudo, viver e respirar isto, sabendo também existir nos entretantos.)

Hoje, às 15h50mins.

Eu secciono, tu seccionas.

Nova secção "Posto de escuta" na barra lateral. Agradecimentos ao P.

(novamente, muito obrigado, P.)

pela escrita do HTML e pela paciência em inúmeras explicações sobre uma correcta utilização do mesmo.