terça-feira, outubro 24, 2006

A primeira paternidade.

Saíram no início deste mês vinte páginas de teoria que escrevi. Sinto-me orgulhoso como o pai perante o filho de dois anos que lhe desenha o alfabeto grego com o indicador pequeno e coberto de tinta azul.

Ritzenhoff.

O lugar para as coisas sem nome.

Todos temos disfunções e / ou coisas por resolver, se as soubermos procurar. Alguns dos meus amigos procuram fugas para trás nas pessoas que conhecem ou nos locais a que vão. Outros tantos também amigos lamentam um amor de reconstrução impossível, sabendo que o afecto estava lá mas que não basta amarmos alguém para vivermos convenientemente felizes para sempre. O amor dá trabalho. As cedências e malabarismos que o amor implica - e a que o amor acaba por obrigar - causam insónias e regurgitações e choros violentos mas escondidos. A noção de vida a dois é-nos complicada e comum. Estou aqui a escrever isto e sei que se explodir serei luminoso como nunca antes porque tenho o coração cheio de coisas às quais acrescento e me agarro para flutuar; às quais não dou nome.

Longe disso.

Ficção (41).

Às noites, o cão dava voltas solitárias pelo jardim para conversar com os ratos e pássaros também eles sofredores de insónias.

O coração atolado.

A dor da mulher doía-lhe tanto que quando queria chorar sorria.

Strangers when we meet.

O erro sobre o objecto

Há uma diferença essencial entre o fim do amor e o fim de uma amizade. Nas relações amorosas podemos sempre alegar que o suposto
«amor» foi um equívoco. Mas é muito mais difícil sermos amigos de alguém durante anos e um dia concluirmos que aquilo nunca foi uma amizade.

No amor, o erro sobre o objecto é um álibi para o desgosto. Na amizade, o erro sobre o objecto é apenas desgostante.


[ Pedro Mexia: Estado Civil. ]

segunda-feira, outubro 09, 2006

Estrelas de neutrões e torradas.

Sempre que vou a uma bomba de gasolina abastecer e estou à espera na fila para pagar, dá-me para pensar em coisas soltas. Em estrelas de neutrões. Em como somos cada vez mais. Em cachecóis coloridos. Em como sinto falta de fumar um cigarro pela arrogância e agressividade crassas de que imbuía o gesto - nunca fui um fumador muito sério. Nas torradas da cafetaria Continental. Lembro-me de cinco ou seis versos do "Quand vous mourez de nos amours", cantado pelo Rufus Wainwright. Depois pago, saio, meto-me no carro e esqueço-me do que pensei com alívio cauteloso.

Luminoso.



Verbo: aligeirar.

Thought: Why does man kill? He kills for food. And not only food: frequently there must also be a beverage.

[...].

How wrong Emily Dickinson was! Hope is not "the thing with feathers." The thing with feathers has turned out to be my nephew. I must take him to a specialist in Zurich.


[ Woody Allen: "Selections from the Allen Notebooks." Complete Prose. ]

All work and (almost) no play.

Nas duas semanas que passaram, a minha existência situou-se entre os verbos ler e escrever. Nas semanas que restam até ao final do mês e do ano, a minha existência situar-se-á praticamente - e sem surpresas - entre estes dois verbos, combinados cuidadosamente com doses elevadas (e frequentes) de cafeína que propiciam o trabalho até altas horas. Estou cansado mas não exausto. Ainda vou conseguindo ter tempo (embora não tanto quanto quero) para as pessoas de quem gosto e de quem tenho saudades porque me sabe a pouco quando as vejo. Contem comigo para chás e conversas, jantares, voltas a pé ou de carro em noites frias, DVDs em sessão normal ou dupla e sushi. Estou cá. Ligeiramente desaparecido em combate, mas estou cá.