terça-feira, março 25, 2008

Ergonomia.

No piano há uma curva a que gosto de me encostar enquanto bebo uma caneca de café e oiço música num volume mais alto. Descobri que me encaixava comodamente ali quase por acaso. Há três horas estive lá a ouvir o "Fake palindromes", do Andrew Bird.

Comentário desnecessário (65).

Trânsito.

Não sei como passo os meus dias, mas sei que os meus dias passam.

Idiossincrasia (3).

Quando na sexta-feira vi o Wide Awake, de Alan Berliner, não pude deixar de sentir alguma simpatia por alguém que, como eu, tem sérias questões com o ritmo circadiano e vê na noite - em continuar acordado quando todos dormem (com ou sem Blanchot à mistura) - um reduto criativo.

quinta-feira, março 20, 2008

Status report (24).

A escrever dois exercícios para uma aula de piano amanhã, enquanto bebo uma chávena de café mais doce do que o habitual. Vi ontem o Rushmore, do Wes Anderson, e nos próximos dias devo ver o Bottle Rocket, também dele.

Ver, ler, ouvir.

Inventário.

Há algum tempo que não ando descalço aqui por casa, mas lembro-me com bastante exactidão da macieza do soalho nos dias em que neste espaço existiam apenas as paredes, o piano sozinho no meio da sala em que continua, uma aparelhagem no chão de uma das divisões - no chão porque não existiam ainda outros móveis - e uns dois ou três candeeiros. Nos últimos tempos tenho olhado bastante para trás: sem saudade, entenda-se; apenas com um instinto de inventário.

segunda-feira, março 17, 2008

Grief.

As mangas da minha camisola lilás escurecem quando lhes limpo os olhos para evitar que o meu choro caia sobre a tinta na página por baixo da minha cara e a esborrate.

Escrita.



À procura de um texto autobiográfico (33).

Sofrer é nojento. Não sofrer também pode ser nojento.

[ Adília Lopes: "Aforismos." Caras Baratas - Antologia. ]

Ausência.

Habituei-me a ter-te ao meu lado nas consultas semestrais de oftalmologia. Tenho uma amanhã de manhã. A partir do momento em que me puserem as gotas nos olhos vou tentar mantê-los fechados o mais que possa para não ver que tu não estás - não tornarás a estar - ali, comigo, ao meu lado.

sexta-feira, março 14, 2008

Status report (23).

Com uma tradução para fazer até quarta-feira, o que quer dizer de forma mais ou menos exacta que não vou ter descanso até lá. Preciso de uma chávena de café e de uma noite de sono coerente.

Comentário desnecessário (64).

Arrumações (7): Rima interna.

Nos próximos tempos escondo um coração encarniçado com um sorriso deslaçado.

Arrumações (6): O factor humano.

No dia em que se enterrou um relacionamento de dois anos e meio, não pude deixar de constatar, com alguma tristeza, que a relação com o meu computador teve em dobro a duração e a estabilidade. Factor humano o caraças.

Arrumações (5): Desastres relativos.

I lost two cities, lovely ones. And, vaster,
some realms I owned, two rivers, a continent.
I miss them, but it wasn't a disaster.

—Even losing you (the joking voice, a gesture
I love) I shan't have lied. It's evident
the art of losing's not too hard to master
though it may look like (
Write it!) like disaster.

[ Elizabeth Bishop: "One Art." Complete Poems. ]

Arrumações (4): Banda sonora.

Aimee Mann, Annie Clark e Kimya Dawson: a companhia perfeita para pessoas emocionalmente esfaceladas.

Arrumações (3): Causa perdida.

Arrumações (2): Moeda fiduciária.

A facilidade com que se prescinde de uma pessoa que em teoria se ama continua a chocar-me e indica-me que o valor do amor enquanto moeda fiduciária está pela hora da morte.

Arrumações (1): Rudimentos de perspectiva.

Não deixa de ser estranho quando damos uma oportunidade a alguém que, nesse instante, crê estar a dar-nos uma oportunidade. Mais estranho ainda vermo-la desperdiçada.

terça-feira, março 11, 2008

Dentro.

A queda não começara nos degraus do prédio em que tinha vivido, com a necessidade que sentia de saltar os dois últimos; ou em miúdo com os joelhos e braços esfolados por correr ou cair da bicicleta. Não, a queda começara dentro.

Twain.

Curriculum vitae.

À medida que falava sobre Teoria da Literatura não pôde deixar de lamentar que o seu domínio da prática dos afectos fosse tão coxo.

quinta-feira, março 06, 2008

Propensão homérica.

Das tuas noites fazias uma espessa manta com nós sobrepostos onde o ponto mudava. Aos dias davas as costas e o olvido.

Jukebox.

Retrovisor.

Hoje, quando olhamos para trás, não nos reconhecemos e há vezes em que nos perguntamos quem eram aquelas pessoas de vinte e dois anos que tanto discutiam uma com a outra.

Durabilidade.

Pegou na esferográfica e escrevinhou no postal

"Amor, desde que tu me deixaste até as lâmpadas cá de casa duram mais."

Moths to a flame.

Since the majority of me
Rejects the majority of you,
Debating ends forthwith, and we
Divide. And sure of what to do

We disinfect new blocks of days
For our majorities to rent
With unshared friends and unwalked ways.
But silence too is eloquent:

A silence of minorities
That, unopposed at last, return
Each night with cancelled promises
They want renewed. They never learn.


[ Philip Larkin: Collected Poems. ]

Comentário desnecessário (63).