domingo, agosto 28, 2005

Tu (2).

Tu (1).

Pela tarde e pela noite, agarrado a sintagmas. Até ao teu resgate súbito, não antevisto. Até ao soar da campainha. Até à minha pergunta incrédula, zonza de estudo. Até à tua resposta. Até tu seres tu do outro lado da porta e eu, pasmo, ser eu sem te crer possível ali.

("Sou eu.")

Local de trabalho.

Agradeço[-te].

Pela interminável surpresa que me causa ter-te. Pelo sorriso imprevisível. Por me seres tão incrivelmente familiar.

(Obrigado.)

Vida (4).

Setembro novamente.

Faltam três dias e pouco mais para acabar Agosto. Setembro rosna furioso com leituras de ensaios, artigos, capítulos, teses de todos os tamanhos e feitios. Mas ainda faltam três dias. E, até lá, estou de férias.

(Quero lá saber.)

quarta-feira, agosto 24, 2005

Comentário desnecessário (15).

Anatomia (2).

Começa pelo exterior, musculoso mas frágil - pronto para aguentar o embate dos embates. Começa pela carapaça invisível. E contempla-o depois, no seu nascer incessante, na surpresa - quase constante - de ser ele e ele apenas.

(Ei-lo.)

Comentário desnecessário (14).

Autismos.

Por vezes, sento-me ao piano e esqueço-me do que há lá fora, de que existem outras coisas.

(Outras coisas que não este piano e eu.)

terça-feira, agosto 23, 2005

Segunda pele.



Paleotextos (7).

a guerra do peloponeso numa discoteca da 24 de julho.

estás sentado a um canto de um bar, num sofá que tem as costas deformadas dos anos. estás a beber qualquer coisa - uma bebida esverdeada que sorves como ar por um tubo de plástico preto. um travesti com dois metros de altura pergunta-te, em jeito de engate, se tens lume. respondes que não fumas - mentira descarada; vê-se-te o maço de marlboro através do bolso da camisa.

mesmo assim, mentes com quantos dentes tens. acabas a bebida e, à medida que perdes a sensibilidade nas pontas dos dedos, começas a lembrar-te de que estás sozinho num sábado à noite. e perdes tudo - chaves do carro, carteira, b.i., dignidade. tudo é atirado para dentro do mesmo saco. e tu és atirado para a rua das escadinhas da praia, por um homem com o triplo do teu tamanho.

e espantas-te. e ficas sem saber se o que ele te disse foi algo como um jambo, um espondeu ou um dáctilo. e ficas sem saber se realmente estás mesmo bêbado ou se será só estupidez. e vomitas.

Fora-de-tempo.

À procura de um texto autobiográfico (12).

I don't want to get over you.

I don't want to get over you.

I guess I could take a sleeping pill and sleep at will
and not have to go through what I go through.
I guess I should take Prozac, right, and just smile all night
at somebody new.
Somebody not too bright but sweet and kind who would
try to get you off my mind.
I could leave this agony behind,
which is just what I'd do if I wanted to.

But I don't want to get over you.

'Cause, I don't want to get over love.
I could listen to my therapist, pretend you don't exist
and not have to dream of what I dream of.
I could listen to all my friends and go out again
and pretend it's enough, or I could make a career of being blue...
I could dress in black and read Camus, smoke clove cigarettes
and drink vermouth like I was 17 that would be a scream.

But I don't want to get over you.


[ Magnetic Fields: 69 Love Songs. ]

Escritos púberes.

Ler coisas que escrevemos na adolescência, convictos da qualidade das mesmas, é divertido. É divertido percorrer umas largas centenas de páginas de pseudo-dramaturgia em que todas as personagens são, na verdade, só uma e que, ainda por cima, faz sempre a mesma coisa. É engraçado reler os poemas - minimalistas, sem rima, como convinha.

(E constatar.)

O cansaço que causa todo aquele frémito de termos tido, há quase uma década, dezasseis anos. A excentricidade da idade. O desejo mesquinho de querer ser diferente, de querer ser chama. O fardo imenso de se ser sensível numa idade de pedras na mão. A brutalidade da inteligência; o sentido crítico excessivo (que, curiosamente, ainda hoje permanece); a auto-estima feita montanha-russa. E, no meio disto tudo, os textos - a lembrança, entre outras, de que, um dia, tivemos dezasseis anos e quisemos ser tudo.

(Tudo.)

Comentário desnecessário (13).

Barulhos.

A ventoinha da sala. A ventoinha do quarto. O carro que acelera na rua. O carro que estaciona por baixo da janela do meu quarto. A porta que se abre. Que se fecha. O avião que passa. As passadas largas na calçada, em direcção à porta do prédio em que vivo. Os risos e as palavras num linguajar distante. O comboio que passa. O som concêntrico, uterino, da máquina de lavar roupa. Passos no soalho do andar de cima. O telemóvel que toca.

quinta-feira, agosto 18, 2005

Cinco livros; dois dias.

Li toda a obra (quer ficcional, quer autobiográfica) de Frederico Lourenço entre Sábado e Domingo passados. Recomendo seriamente a leitura da trilogia Pode um desejo imenso, O curso das estrelas e À beira do mundo a quem ainda não a leu.

Comentário desnecessário (12).

À procura de um texto autobiográfico (11).

Aprender a dosear, a não forçar, a não insistir perante o refreamento explícito de outrem: seria capaz, alguma vez? Conter os gestos, os olhares, as palavras; dominar a tendência para o derrame emotivo?

[ Frederico Lourenço: O curso das estrelas. ]

quarta-feira, agosto 10, 2005

Weapons of choice.

Temática matemática.

Eu menos eu igual a eu.

Viciado.

Paleotextos (6).

confrontação a poente.

não te conseguir esquecer. não conseguir deixar de pensar em como estarás esta noite. não conseguir dormir e não conseguir acordar. não viver por não querer. não conseguir deixar de te amar.

O artista enquanto (muito) jovem.

Sou diva desde que vi o Wacky Races (tinha para aí uns quatro anos) e desejei ser a Penelope Pitstop. Com um carro artilhado que me punha bâton nos lábios mal eu puxava uma alavanca e que me protegia dos perigosos raios UV com um guarda-sol cor-de-rosa, encimado por um grande laço e com brocados rosa-intenso. Eu quis ser a Penelope Pitstop, a beldade sulista com um coração de ouro e uma herança ainda mais dourada. Até que deixei de saber o que queria ser. Perdi-me numa licenciatura cujo propósito ainda hoje me escapa. Fugi por cursos paralelos e posteriores. E cheguei a um sítio no qual não me sinto. Não me sinto. Ponto. Lembrar-me eu de dias em que a minha vontade se resumia a ser parte de uma série de desenhos animados e conduzir carros imaginários.

(E da bênção que isso era.)

Virtudes das dez da noite.

Fazer compras num hipermercado às dez e tal da noite é maravilhoso - não se vê ninguém. Os corredores estão praticamente vazios. Os produtos começam a ser repostos nas prateleiras babilonicamente codificadas. E tudo acaba por ser calma, sem aquela ânsia de correr para a caixa; sem a necessidade absurda de nos esquecermos de comprar qualquer coisa só porque temos pressa de sair dali. Fazer compras a essa - ou qualquer outra - hora é um exercício de observação mais do que de paciência.

terça-feira, agosto 09, 2005

Comentário desnecessário (11).

À procura de um texto autobiográfico (10).

Modern Romance

Don't hold on
And go get strong
Well, don't you know
That there is no
Modern romance

Time
Time is gone
It stops, stops who it wants
Well, I was wrong
It never lasts
And there is no
Well, this is no
Modern romance

And time
Time is gone
It never lasts
Stops who it wants
Well, I was wrong
It never lasts
This is no
There is no
Modern romance
There is no modern romance
This is no... modern romance
there is no, there is no...


[ Yeah Yeah Yeahs: Fever to Tell. ]

A falta que me fazes.

Antes-e-depois da perda.

[Para o Pedro.]

Todos os nomes o teu. Todas as vozes a tua.

(Apenas.)

Comentário desnecessário (10).



82 1 22.

Ter um pai que morre quando somos muito novos e nunca sentirmos nada. Porque uma ausência dessas não se sente. Não nos conseguirmos lembrar da cara dele, da voz dele, do sorriso dele quando nos pegava ao colo, encantado com a criança de caracóis revoltos que segura nos braços. Não nos lembrarmos de nada desse dia. Não nos lembrarmos de nada desses dois anos em que ele ainda existiu. E olharmos para a fotografia e apercebermo-nos, vinte e três anos passados, de que, afinal, sentimos alguma coisa. De que o nosso sorriso é também o dele.

("Olá, pai. Sou eu.")