sexta-feira, fevereiro 24, 2006

Ficção (33).

No bloco pautado que trazes sempre contigo num dos bolsos do casaco escreves

"Comprar leite c/ choc., carta Lisboa, buscar roupa lavand., telef. R."

numa letra que poucos se atrevem a ler. Sublinhas o último ponto duas vezes, abres um pouco o casaco e sais da estação de Union Square com o cabelo revolto e um sorriso. Encontra-lo no café do costume.

Wishing I could be there.

Madrugada sem luz - literalmente.

Hoje de madrugada houve um corte imprevisto no abastecimento de electricidade no sítio onde vivo. A meio do House, M.D. (a única coisa boa que dá na TVI?) - e à espera do Lost -, a T. e eu demos por nós às escuras e a procurar lanternas / fósforos / velas aqui por casa. Trinta minutos volvidos, a escuridão continuava, cortada apenas pontualmente por uma vela de baixíssima potência em cada uma das divisões. É estranho ficar-se sem luz porque nos apercebemos de quão pouco há para fazer sem ela. Televisão é para esquecer; aparelhagem também; o computador não tem grande fascínio sem acesso à Internet. Não se pode ler porque a luz é pouca ou nula; não se pode tocar piano porque são duas da manhã. Quando não há nada a fazer, não há nada a fazer. E, quando a luz falta durante a noite, a única coisa que resta é rendermo-nos aos factos (e ao tédio) e esperar que passe.

Foi o que fiz. Às quatro da manhã, enquanto dormia, a luz voltou. Só dei por isso de manhã.

quarta-feira, fevereiro 22, 2006

Ficção (32).

No bilhete escrito a esferográfica azul em cima da bancada da cozinha podia ler-se

"Parto amanhã para Nova Iorque."

Tempo um, tempo dois.



Factos vários.

Ando sem saber o que escrever, o que fazer de mim. Os meus dias um círculo. Estou sentado à mesa da sala, a escrever este texto no portátil. A T. escreve no sofá. Verifico o correio electrónico: nada de momento. Esta semana estreiam dois filmes que quero ver. Preciso de café. Amanhã atiro-me novamente a vários trabalhos. Estou a meio de um dos livros que estou a ler. Gosto da forma como a Wanda Landowska toca as sonatas do Scarlatti. Tenho acordado tarde. Não tenho conseguido parar de ouvir uma das faixas do álbum dos Clap Your Hands Say Yeah.

terça-feira, fevereiro 14, 2006

Vinte minutos

Enquanto tomo banho, gosto de ver o vapor encher o espaço, denso; gosto de ouvir o ruído indistinto de um qualquer canal de televisão vindo da sala.

Comentário desnecessário (48).

À procura de um texto autobiográfico (20).

Ética

Vou falhando as pequenas coisas
que me são solicitadas.
Sentindo que as ciladas
se acumulam cada vez que falo.
Preferi hoje o silêncio.
A ausência de equívocos
não é partilhável.
No inegociável deste dia,
destituo-me de palavras.
O silêncio não se recomenda.
Deixa-nos demasiado sós,
visitados pelo pensamento.


[ Luís Quintais: Lamento.]

Falta de produtividade e / ou inspiração.

Levantei-me às 9h00 com o carteiro a entregar-me uma encomenda. Assinei. Disse bom dia. Fechei a porta. Fiz café. Comi qualquer coisa. Pus-me a tentar escrever. Passei uns quantos álbuns que tinha "em atraso" para o iTunes. E depois disto, que foi pouco, resolvi escrever de facto. Até agora, sem grande sucesso. Estou sem concentração possível. Abro a janela da sala, espreito para o jardim, olho para cima

(azulbrancoamarelorosacinzento)

e fecho-a. Sento-me novamente ao computador e espremo as poucas palavras que hoje, ao que parece, vão sair. São estas.

Com clareza.

Virtudes criativas do L123.

No primeiro ano da faculdade, durante o Outono e o Inverno, costumava sair do comboio em Alcântara Mar e fazer o percurso até Alcântara Terra a ouvir a Tori Amos a cantar-me, em repeat e via Discman, o "In The Springtime of His Voodoo". As mãos frias, a cara gelada. Chegava à paragem do cinquenta e seis e esperava uns minutos pelo autocarro. As pessoas eram sempre as mesmas e ocupavam sempre o mesmo lugar. Ainda me lembro de um homem de aspecto amargo que se sentava à minha frente e de uma rapariga grávida que se sentava ao meu lado.

No final do dia, ia de metro até ao Campo Grande e depois descia até ao Cais do Sodré. Escrevinhava coisas parvas num caderno quadriculado que trazia sempre dentro da mala - princípios de histórias, poemas, diálogos para teatro, ritmos e peças de música curtíssimas. No comboio, sentava-me onde arranjasse lugar e, até chegar a Oeiras, adormecia embalado pelos sacudires rítmicos das carruagens e pela canção doce dos carris. Às vezes desenhava.

quinta-feira, fevereiro 09, 2006

Hoje, às 13h50mins, no Monumental.

Fico até ao fim. Mesmo ao fim. Até a música ter acabado. Até o texto se ter esgotado e as luzes se acenderem. Sem saber o que fazer ou sequer o que dizer. Falta-me a força quando me tento levantar. Saio da sala, desço as escadas, saio do Monumental e atiro-me para dentro de um táxi. Digo a minha morada atordoado. Arrancamos. Vejo passar pela janela pessoas, prédios, carros. Envio uma mensagem escrita

("Acabei de ver o Brokeback Mountain. Até os ossos me doem.")

à qual tenho resposta minutos passados. Estou a escrever isto às 22h08mins e o corpo ainda me dói; um sono estranho a pesar-me. Nos próximos dias, lambo as feridas.

segunda-feira, fevereiro 06, 2006

Situando-me.

Verifico o correio electrónico com frequência cada vez menor (mas verifico-o, ainda assim). Estou a beber um chá bem quente. Tenho o aquecedor que a T. trouxe de Barcelona ligado no máximo e apontado para os meus pés. Visito os blogs do costume e escolho, ao mesmo tempo, fotografias para os posts de hoje. Estou à espera de várias partituras e de uns quantos CDs que deverão chegar até ao final da semana. Hoje já estive em pânico.

Tinham-na deixado ali.

Momento idiossincrático.

O sinal indicava sentido obrigatório em frente e eu não conseguia parar de olhar para trás.

À porta de um supermercado.

As mulheres paradas carregam sacos de plástico que ameaçam rasgar-se. Conversam enquanto esperam que as portas se abram. Não têm nome. Vejo-as através da janela do carro enquanto espero que o semáforo mude. Falam entre si: um sorriso raro e um esgar agastado. Uma tira de dentro de um dos sacos uma maçã e come-a; não sei para onde está a olhar; não sei em que pensa. Quando arranco, as mulheres já não estão lá; ali não está ninguém.

De volta a Lisboa.

Ficção (31).

Um

- Obrigado pelas flores

que, a princípio, não entendi que fosse para mim.