quarta-feira, janeiro 21, 2009

Aportar.

Se fores ao meu lado no metro ou no comboio, vais encontrar-me ou com a cabeça enfiada num livro ou a olhar para fora da carruagem; pode ser que vá a ouvir música; às vezes também me acontece adormecer, embora seja raro. Passo despercebido. Se estiveres atrás de mim - ou eu atrás de ti - na fila de uma caixa, sou o tipo que olha de vez em quando para o relógio, que se deixa sorrir sem motivo aparente e morde o lábio inferior discretamente para tentar refrear um riso mais solto; que ouve tudo atentamente, e tenta perceber que língua duas pessoas estão a falar três filas ao lado. Não me encontras facilmente, mas encontras-me. E é possível que, ao encontrar-me, a minha cara te pareça vagamente familiar. Posso ser eu ou não; podes falar-me ou não falar - não sei se é, ou não, indiferente; pouco importa. Vou passando incógnito pelos dias e eles por mim, não sem ir tentando aportar a vida que levo algures cá dentro à vida aí fora - receando a cada vez que a amarra se desfaça, e não torne a avistar terra.

Elsewhere (2).

Outra história.

"Amigos como dantes" é uma daquelas expressões de que desconfio sempre. Se há coisa que aprendi é que uma amizade, ou qualquer outro tipo de relação, raramente volta ao estado em que se encontrava depois de ter sofrido um abalo. O que não é mau: tenho casos de pessoas de quem me afastei ou com quem deixei de falar - ou que deixaram de falar comigo - e com as quais, hoje, mantenho um relacionamento melhor e notavelmente mais estável. São é poucas. Por contraste, a quantidade de casos em que as coisas azedaram irreversivelmente é bastante elevada. Nunca me iludi nisto. Amigos como dantes? Duvido. Mas, repito, não é mau. Pode ser que nos voltemos a falar, ou até a esbarrar sem querer na rua ou num café: nesse aspecto como noutros, Lisboa é mínima. E como a memória é um bicho raro, acabo sempre por me lembrar do "Just friends", cantado pela voz muito sedosa do Chet Baker - ainda que aí, bem sei, a história seja outra.

Interpretação livre.

A experiência mostra-me que é preferível fazer promessas que não possamos cumprir: a desilusão proveniente de uma promessa que não temos como - nem vamos - cumprir é grande, mas seria muito maior caso deixássemos incumprida uma promessa que estivesse ao nosso alcance. Mas no fundo o que a experiência me diz é que é preferível não fazer promessas.

The Ballet.

Os The Ballet foram a primeira descoberta musical deste ano. Encontrei-os através deste blog: li os quatro versos que estavam citados num texto, e quis ouvi-los. Depois de procurar um bocado, lá consegui encontrar o primeiro álbum - Mattachine! -, que ouvi de uma ponta à outra. E outra vez. E outra. E outra. No final do primeiro dia com o álbum nas mãos, não sei ao certo quantas vezes seguidas o terei ouvido, mas foram muitas. As letras são óptimas; não há uma faixa de que não goste; há um sound bite muito interessante, para dizer o mínimo, no início e no fim do "Tell me how"; e melhor: há novo álbum previsto para este ano. Pode ver-se e ouvir-se aqui uma versão ao vivo do "In my head", que tem andado em repeat aqui por casa.

terça-feira, janeiro 20, 2009

A new era.

quarta-feira, janeiro 14, 2009

Ou o resto.

Ou o pousar da mão na ombreira. Ou o pé sustido junto à porta. Ou a noite fria e os nossos corpos, lado a lado, dentro do carro - com estática no rádio, e a ver a cidade iluminada lá em baixo. Ou o momento em que, depois de uma tarde de Verão às voltas, me deixaste sentado e voltaste pouco depois com duas cervejas, e eu sorria. Ou ter pensado "Hoje vejo-o" e notar que o coração acelerava. Ou aquela primeira noite aqui em casa. Ou as visitas inesperadas enquanto me atolava em artigos para a dissertação. Ou as insónias iniciais passadas a rir. Ou o resto.

Elsewhere (1).

Primeira pessoa.

Deixar de falar na primeira pessoa do singular e mudar-me, de armas e bagagens, para o plural.

Rente ao osso.

Ao escrever sobre os livros que leio, os filmes que vejo, as pessoas com quem vou estando, é sobre mim que escrevo - ainda que nem sempre directa ou voluntariamente; a mesma coisa com os sítios por onde passo, a música que oiço, o passado próximo e mais remoto, ou assuntos pendentes. Deste movimento cíclico entre pensar e escrever, resulta um cansaço característico, do qual não aprendi ainda a descartar-me por completo; lá chegará o tempo. Entretanto, apenas esta sangria de fluxo muito controlado, com ocasionais jorros mais possantes, que surpreendem quase tanto como assustam. Sigo em frente, de rascunho em rascunho, de silêncio em silêncio, como se conhecesse outro modo de fazer as coisas, ou de existir, que não este de respirar bem fundo nos compassos de espera entre cansaços sucessivos.

Noites (9).

Depois de ter ouvido isto e isto umas quinze vezes seguidas, resolvo finalmente sair da cama e pôr a chaleira ao lume. Vou à sala, escolho um filme, deixo-o no braço do sofá. A água ferve. Ao fim de duas horas continuo desperto. Termino o filme, vou buscar o iPod, abro o livro na página marcada, continuo a lê-lo. Quando volto à cama, o relógio na mesa-de-cabeceira assinala seis e cinquenta da manhã: o dia é outro, a insónia a mesma.

quarta-feira, janeiro 07, 2009

Faites vos jeux.

Em qualquer aposta, é possível perder pouco e perder muito. Nesta aposta, apercebo-me de que perco sempre muito: mais do que o esperado, mais até do que o que pus em cima da mesa. Até que um dia decido deixar de apostar.

Planos.

Ficção (63).

A conversa encurtou-se. Conseguiam ouvir a respiração um do outro do lado de lá da linha, e um qualquer barulho de fundo mais persistente - um pássaro na nespereira, um avião que passava mais baixo, o murmúrio eléctrico do televisor, um carro às voltas na praceta. Passaram-se alguns minutos; outros tantos depois desses. Não disseram nada. Terá havido, é certo, um momento em que um deles concluiu que aquela conversa tinha chegado ao fim - e eles com ela. É impossível precisar o tempo que terá decorrido entre esta consciência do fim e a coragem para pousar finalmente o auscultador no descanso; e é até plausível que, por despeito ou emoção congénere, houvesse vontade de cercear a chamada quanto antes, na tentativa de evitar que tudo terminasse com um silêncio fosco, perdido algures na continuidade quilométrica de cabos telefónicos entre as suas duas casas. Seja como for, há coisas que ficam sempre perdidas pelo caminho, sujeitas a uma erosão contínua e implacável. Não se falam desde então; mesmo que tentassem, é provável que não conseguissem. Há coisas que ficam partidas pelo caminho.

Horizonte de expectativa.

Espera o que quiseres do telefone, mas não esperes que toque.

Reset.

Aprende a esperar pouco do vento, do sopro sibilino sob as folhas ou enrolado nos teus cabelos, no teu cachecol, naquele dia. Aprende a aceitar dos dias o recato e as ausências numerosas - a esquecer de vez o lugar feliz do teu coração ao lado do dele, à distância tangível de centímetros.