Parece-me tudo uma ficção bem engendrada, colorida, com os ângulos certos. Estou há uma hora a olhar para as fotografias dos teus últimos dois ou três anos, talvez mais, a tentar fazer algum sentido da vida que tiveste. A falta de legenda na maioria das imagens faz com que a imaginação se lance em voos picados, suicidários, dos quais chegam ao solo apenas alguns destroços — o resto atomizou-se. Tento apanhar-te desprevenido, encontrar um gesto que te traia, um sorriso mais forçado, qualquer coisa. Em vez disso, apanho-me a olhar para ti, na minha condição de visitante de um museu com um curador criterioso e compulsivo, um museu com muitas salas, todas cheias e meticulosamente dispostas. Entre mim e as imagens, uma trança gorda de veludo, sustida entre postes que se repetem de tantos em tantos metros. Por hoje, a visita chega ao fim. Saio sem fazer barulho, com o esqueleto sacudido e o coração em desarranjo.