Não hei-de beijar esta porta.
Há um torpor característico das partidas: começa nos ombros, que descaem imperceptíveis; passa para os braços, que perdem qualquer fantasma de vigor; a própria respiração pesa. Os olhos prendem-se em sítios avulsos — letreiros luminosos, menus, sinais de trânsito, o brilho do alcatrão depois da chuva. Qualquer ruído é uma intromissão. Pode partir-se de muitas formas e para muitos lugares, mas todas as partidas são iguais — pessoas mais e menos chegadas que vêm despedir-se de nós, dizer «Até breve», «Até logo», «Um ano passa a correr» ou qualquer outra fórmula semelhante, abraçar-se ao nosso corpo que foge, como que a tentar perpetuar um pouco dele no seu. Há partidas que pressupõem chegadas mais adiante. Há partidas que não o chegam a ser, abortadas no último passo. E há, além destas, as partidas que o são no pleno sentido do termo: sem volta a dar, irreversíveis, factos consumados. Lembro-me de repente daquele passo da Eneida — será da Eneida? ando tão esquecido —, das mulheres que se abraçam às portas e lhes dão beijos. Quando partir, não hei-de beijar esta porta.