No primeiro ano da faculdade, durante o Outono e o Inverno, costumava sair do comboio em Alcântara Mar e fazer o percurso até Alcântara Terra a ouvir a Tori Amos a cantar-me, em
repeat e via Discman, o "In The Springtime of His Voodoo". As mãos frias, a cara gelada. Chegava à paragem do cinquenta e seis e esperava uns minutos pelo autocarro. As pessoas eram sempre as mesmas e ocupavam sempre o mesmo lugar. Ainda me lembro de um homem de aspecto amargo que se sentava à minha frente e de uma rapariga grávida que se sentava ao meu lado.
No final do dia, ia de metro até ao Campo Grande e depois descia até ao Cais do Sodré. Escrevinhava coisas parvas num caderno quadriculado que trazia sempre dentro da mala - princípios de histórias, poemas, diálogos para teatro, ritmos e peças de música curtíssimas. No comboio, sentava-me onde arranjasse lugar e, até chegar a Oeiras, adormecia embalado pelos sacudires rítmicos das carruagens e pela canção doce dos carris. Às vezes desenhava.