A primeira paternidade.
Saíram no início deste mês vinte páginas de teoria que escrevi. Sinto-me orgulhoso como o pai perante o filho de dois anos que lhe desenha o alfabeto grego com o indicador pequeno e coberto de tinta azul.
"So that I may say at all times, even when you do not answer and perhaps hear nothing, something of this is being heard, I am not merely talking to myself [...]." (Samuel Beckett, Happy Days)
Saíram no início deste mês vinte páginas de teoria que escrevi. Sinto-me orgulhoso como o pai perante o filho de dois anos que lhe desenha o alfabeto grego com o indicador pequeno e coberto de tinta azul.
Todos temos disfunções e / ou coisas por resolver, se as soubermos procurar. Alguns dos meus amigos procuram fugas para trás nas pessoas que conhecem ou nos locais a que vão. Outros tantos também amigos lamentam um amor de reconstrução impossível, sabendo que o afecto estava lá mas que não basta amarmos alguém para vivermos convenientemente felizes para sempre. O amor dá trabalho. As cedências e malabarismos que o amor implica - e a que o amor acaba por obrigar - causam insónias e regurgitações e choros violentos mas escondidos. A noção de vida a dois é-nos complicada e comum. Estou aqui a escrever isto e sei que se explodir serei luminoso como nunca antes porque tenho o coração cheio de coisas às quais acrescento e me agarro para flutuar; às quais não dou nome.
Às noites, o cão dava voltas solitárias pelo jardim para conversar com os ratos e pássaros também eles sofredores de insónias.
O erro sobre o objecto
Sempre que vou a uma bomba de gasolina abastecer e estou à espera na fila para pagar, dá-me para pensar em coisas soltas. Em estrelas de neutrões. Em como somos cada vez mais. Em cachecóis coloridos. Em como sinto falta de fumar um cigarro pela arrogância e agressividade crassas de que imbuía o gesto - nunca fui um fumador muito sério. Nas torradas da cafetaria Continental. Lembro-me de cinco ou seis versos do "Quand vous mourez de nos amours", cantado pelo Rufus Wainwright. Depois pago, saio, meto-me no carro e esqueço-me do que pensei com alívio cauteloso.
Thought: Why does man kill? He kills for food. And not only food: frequently there must also be a beverage.
Nas duas semanas que passaram, a minha existência situou-se entre os verbos ler e escrever. Nas semanas que restam até ao final do mês e do ano, a minha existência situar-se-á praticamente - e sem surpresas - entre estes dois verbos, combinados cuidadosamente com doses elevadas (e frequentes) de cafeína que propiciam o trabalho até altas horas. Estou cansado mas não exausto. Ainda vou conseguindo ter tempo (embora não tanto quanto quero) para as pessoas de quem gosto e de quem tenho saudades porque me sabe a pouco quando as vejo. Contem comigo para chás e conversas, jantares, voltas a pé ou de carro em noites frias, DVDs em sessão normal ou dupla e sushi. Estou cá. Ligeiramente desaparecido em combate, mas estou cá.