domingo, setembro 30, 2007

Aprendizagem da espera.

Um dia hei-de ouvir a minha voz dizer-me coisas que não sei. Um dia hei-de ouvir a minha voz.

Comentário desnecessário (55).

A razão.

Dizes-me que não consegues perceber a razão pela qual não vou ao teu casamento. A razão pela qual não vou ao teu casamento é simples: porque era contigo que eu ia ao teu casamento. Chegávamos mais cedo, estacionávamos o carro, ficávamos a rir-nos de quem ia chegando. Na igreja, sentávamo-nos num local estratégico - escondido, mas de onde podíamos ver noivos, padre, padrinhos, todo o aparato. Depois saíamos e íamos ao copo de água. Ríamo-nos da ementa e da banda que tocava hits enlanguescidos. Ao início da noite saíamos e acabávamos a tomar café ou um gin tónico e uma tosta no Bairro Alto ou noutro sítio convidativo, a fazer o sumário do dia.

Por que é que não vou ao teu casamento? Porque tu não podes ir comigo. Porque és tu quem se casa, quem agora está lá à frente - e eu estou sozinho cá atrás.

Tell me where it hurts.

What I remembered then was Reenie, from when we were little. It was Reenie who'd done the bandaging, of scrapes and cuts and minor injuries: Mother might be reading, or doing good deeds elsewhere, but Reenie was always there. She'd scoop us up and sit us on the white enamel kitchen table, alongside the pie dough she was rolling out or the chicken she was cutting up or the fish she was gutting, and give us a lump of brown sugar to get us to close our mouths. Tell me where it hurts, she'd say. Stop howling. Just calm down and show me where.

But some people can't tell where it hurts. They can't calm down. They can't ever stop howling.

[ Margaret Atwood: The Blind Assassin. ]

Motion.



Palidez comparativa.

Branco como a cal. Branco como o susto, como a morte. Acolor. Branco como papel. Anémico. Branco. Como o leite, como farinha, açúcar, cocaína. Branco como um fantasma. Como um lençol. Neve. Tela. Esferovite. Branco como calcário. Como algodão. Como uma nuvem. 255, 255, 255.

quinta-feira, setembro 20, 2007

Antiguidades.

Gosto de ouvir edições novas de gravações antigas da voz de Billie Holiday. Com atenção, consegue perceber-se o som da agulha a trilhar os sulcos poeirentos do vinil.

Status report (11).

À vol d'oiseau.

Tenho dificuldade em acordar. Quando olho para o despertador é com um rancor que não me reconheço, mas que fácil e rapidamente disfarço. Sento-me na cama ou levanto-me logo e de repente. Abro a porta do quarto, abro a porta que vai do hall de entrada para o corredor, desligo o alarme, vou para a cozinha, ponho água a aquecer para fazer café. As primeiras palavras que geralmente me saem da boca, dirigidas a ninguém, são

- Estou tão cansado

ou às vezes um

- Estou exausto,

mas sei perfeitamente que nenhuma delas é verdade. Sim, se calhar há aqui cansaço: um cansaço profundo, entranhado. Mas nada que valha a pena verbalizar excessivamente. Enterra-se mais e mais fundo até que um dia, quando saia, leve tudo com ele. Desde que terminei o Mestrado não sei o que fazer. Pronto, o que fazer de mim. E este "não sei", que após anos de estudo me poderia ser leve - um luxo, quase -, tem um sabor estranho, que não reconheço. O problema aqui é que até hoje nunca disse "não sei", sobretudo quando seguido de "o que fazer a seguir". Mas é isso o que se passa. Não sei o que fazer a seguir. Mas sei que não saber o que fazer a seguir não era, de modo algum, o que eu queria fazer a seguir. A água ferve, verto-a para dentro da cafeteira, mexo, empurro o êmbolo. Isto daqui a pouco já não é nada.

quarta-feira, setembro 12, 2007

Ficção (45).

Mãe e filha fumam frente a frente. A filha chora. Do namorado que a deixou nada resta - não se fala dele, como pouco se fala do marido que desapareceu. Mãe e filha falam, talvez pela primeira vez. Lá fora é noite. Vê-se da janela.

Frantic.

A minha caixa de correio vermelha.

A minha caixa de correio vermelha, com ortografia do início do século passado, prova a minha teoria de que quem quer me encontra sem grande esforço. Acho que tenho pena de não receber mais cartas e postais. E de não os enviar.

Status report (10).

No quarto, sentado em frente ao computador, com uma chávena de café à direita, a escrever e a ouvir a chuva a bater no estore.

À procura de um texto autobiográfico (28).

I was slightly surprised to find it in my English Dictionary: "1. An acute but unspecific sense of anxiety or remorse. 2. (In Existentialist philosophy) the dread caused by man's awareness that his future is not determined, but must be freely chosen." I didn't fully understand the second definition - philosophy is one of the bigger blank spots in my education. But I felt a little shiver of recognition at the word "dread". It sounds more like what I suffer than "anxiety". Anxiety sounds trivial, somehow. You can feel anxious about catching a train, or missing the post. I suppose that's why we've borrowed the German word. Angst has a sombre resonance to it, and you make a kind of grimace of pain as you pronounce it. But "Dread" is good. Dread is what I feel when I wake in the small hours in a cold sweat. Acute but unspecific Dread.

[ David Lodge: Therapy. ]

You can't always get what you want.

Faço minhas as tuas palavras.

Não há nada que
uma boa garrafa de rosé
não ajude a suavizar.


[ Marisa: Borboletas na Barriga. ]