quarta-feira, maio 16, 2007

O gene da maçã.

Uma pessoa (X) acha outra (Y) interessante. Na altura em que X e Y se conhecem, X está numa relação; Y é solteiro. Porque de interessante a interessante vai um passinho, X deixa de estar com Y - acabam-se os cafés, os filmes, as saídas. Y tem o gene da maçã; X é claramente um idiota.

Raízes.

Ficção (43).

Não nasci para ficar solteira, entendes? Também não nasci para ficar contigo. Sei-o há muito tempo. Acordo todos os dias eu. Tiro fotografias aos meus pés e às minhas pernas como uma criança parva; tiro-me fotografias dentro da banheira cheia de água em que finjo que sou uma sereia com as ideias trocadas. Às vezes penso em deixar-te na bancada da cozinha um

"Volto quando voltar"

escrito no verso de um talão de supermercado. Mas tu não o ias ler. Quando voltas do trabalho às tantas da manhã, finjo que durmo - eu, que tenho insónias desde os meus dezanove anos, quando descobri que existiam as horas benditas da madrugada e a noite. Tu acreditas. Tiras a roupa, tomas banho, comes qualquer coisa, lavas os dentes

(sigo todo o teu percurso de olhos fechados)

e deitas o teu corpo mudo ao meu lado. Abraças-me e eu deixo. Quando sei que dormes, saio da cama e substituo o vazio do meu corpo por uma almofada

(tu não notas a diferença)

e vou para a sala. Ligo a televisão e fico a olhar para o ecrã durante horas a fio. Sei que acordas às dez. Desligo o televisor, levanto-me do sofá e substituo-me quietamente à almofada. Acordas com um sorriso e eu falsifico outro. O que tu não sabes é que eu estou aqui com medo de que a terra me engula se te deixar - e sabendo tão bem que, se ficar contigo mais um dia, a minha voz vai dar lugar a um chiar meigo e imperceptível; a um ritmo fixo de esposa obediente que nunca hei-de ser, mesmo que te conseguisse amar.

Ainda com o sorriso de cera na cara, pergunto-te se queres café e finjo que começo outro dia contigo.

À procura de um texto autobiográfico (26).

Think of me as programmable soda
When you think
and boy when you drink
when you think of me


[ Tori Amos: "Programmable Soda." American Doll Posse. ]

Perspectivas.

O valor devido.

Escrevi um texto que te dava mais do que o teu devido valor. Como estou cada vez mais certo de que nenhum valor te é devido, apago-o e substituo-o por este - árido e áspero, feito de propósito para ti que o mereces.

sábado, maio 12, 2007

Três anos.

O Maiúsculas faz hoje três anos. Três anos. Mas como é que já passou tanto tempo? Evitando a todo o custo o inventário do que mudou e não mudou do ano passado para este ano, aproveito a ocasião para agradecer sinceramente estas palavras e para celebrar com uma mistura

(mais ou menos potente)

de água tónica e Absolut Mandrin, que a J. e o A. costumam beber e que ameaça tornar-se um novo vício meu.

Para o ano cá estarei novamente - e com gosto em ter-vos cá comigo.

quarta-feira, maio 09, 2007

Da vida e da escrita.

What do you need to know about me for this story? How old I am? how much I earn a year? what kind of car I drive?

[ Ali Smith: "Erosive." The Whole Story and Other Stories. ]

Persistência cromática.

Separados à nascença.

Bebemos juntos: álcool e chá a horas tardias. Falamos. Às vezes estamos calados e não faz mal. Há alturas em que ficamos a olhar para o mesmo ponto na parede, sem pensar em nada, como se não estivéssemos cá. Quando estamos um com o outro, "isto" não nos dói. Fazemos planos. Adormecemos.

(Juntos.)

Espera-se.

Ficção (42).

As faltas de ar, os choros espasmódicos, a aversão à rua, aos outros; a incapacidade de fazer tarefas minúsculas sem cansaço ou sem hesitar ou sem querer simplesmente dormir. Ando assim desde há quatro semanas. Finjo o mais que posso que está tudo bem. Durmo ou pouco ou em demasia: acordo às sete da manhã, às oito, às nove. Adormeço frequentemente a um canto do sofá. Ando triste durante uma grande parte do dia e quando me ligam puxo músculos que não fazia ideia de que existiam para conseguir sorrir. Quando me dizem

- Tu tens de perceber que tens muita sorte

só oiço o ranger dos maxilares de quem fala e um ruído seco de solas gastas. É que eu sei que tenho sorte e isso tudo. Só que - e é esse o problema, neste momento - me sinto cansado e isso muda tudo.

Tarde com a I. no Chiado.

Conheço a I. desde a primeira classe e o gosto por ela não me lembro se foi instantâneo ou não. Mas lembro-me da simbiose existente na nossa segunda ou terceira classe: ela copiava as contas de dividir por mim; eu copiava os quadrados mágicos

(que de mágico tinham pouquíssimo)

por ela. Está em Lisboa durante uma semana e meia. Encontramo-nos à frente do Pereira, onde compramos farripas de laranja com chocolate. Não a via há dois anos. Rimo-nos e seguimos até à FNAC. Saímos e acabamos por encontrar um café simpático onde pôr a conversa em dia. Duas horas passam a correr. Deixamos alinhavada uma ida ao Bairro Alto durante a próxima semana para matar saudades. E este post, I., também é isso: uma espécie de abraço apertado de quem tinha muitas saudades de ti, de falar contigo, da tua voz, do teu riso; um "gosto muito, muito de ti" sob outra forma.

Farripas de laranja com chocolate.

Propostas de tradução.

Por vezes falta-me a capacidade de traduzir ou cifrar a vida em posts.