quinta-feira, maio 28, 2009

Guincho.

Apaga-se aos poucos o negro das curvas desta estrada pequena. Dentro do teu carro somos dois: com os máximos ligados, vemos o vento atirar areia de encontro aos vidros; vemo-la a amontoar-se no caminho, a preencher o hiato artificial entre os dois lados da praia. Passadas horas não haverá já estrada; vento e areia continuarão a sua dança violenta e lateral, rasurando indiferentes os sinais ténues da nossa passagem por aqui.

What else?

Sinalética (2).

Andei tantas vezes a apagar candeias - o pavio de um laranja-vivo fátuo, uma risca de fumo curvo acima - que as minhas mãos se queimavam nas pegas, eram cinza. Sei de cor toda a geografia que existe até ti: faço o caminho sem faróis, sem um fósforo que risque no breu da noite a forma da calçada, das ruas soltas e sinuosas, ou da porta tão familiar do teu prédio - da tua casa - quando chego.

Sinalética (1).

Uma linha em forma de oito bem desenhado cai-me do bolso das calças para o chão. Deixo-me ficar a olhá-la por um instante, sem saber se fazer dela mistério ou augúrio.

Idiossincrasia (8).

Gosto do cheiro de um bloco de post-its acabado de abrir.

segunda-feira, maio 25, 2009

Agenda (2).

Andrew Bird toca hoje na sala um do São Jorge, a partir das nove e meia. O bilhete já está guardado no meio das páginas escrevinhadas do Moleskine, dentro da mala. Até logo, então.

sexta-feira, maio 15, 2009

Manual de sobrevivência.

Escrever. Escrever numa tarde com vento, as páginas do caderno a ameaçar rasgar-se. Escrever na areia, assistir à rasura da onda que se aproxima. Escrever em talões de supermercado, no verso de recibos, em envelopes ainda não abertos. Escrever muito, escrever pouco, escrever assim-assim. Escrever de olhos fechados, com a mão esquerda, de trás para a frente. Escrever mensagens, curtas e mais longas. Escrever cartas que ficam guardadas na gaveta, por enviar. Escrever e ir escrevendo - encher da massa das palavras as muitas fissuras de um esqueleto de outro modo translúcido.

Gostar de livros.





Os dias passarão.

Gerações sucessivas de gente incógnita hão-de morar aqui, colar o seu cheiro às paredes desta casa, tornar baço o chão a cada passo. Virão os homens e arrastarão deste local para outro e outro os objectos que orbitam uma vida, até que não haja mais lugares para preencher - sítios onde nos escondamos ou descansemos. Virá o oblívio que cobre os dias como um manto. Virá o ruído regular dos comboios correndo a trilha férrea de sempre; dos aviões sobre o cacho de casas de telhados e dimensões diversos. Os dias passarão - difíceis e retorcidos como vides, e resilientes como elas.

Brancos.

Cada vez mais cabelos brancos, no meu cada vez menos cabelo.

Domingo.

Metáfora

Escolho o silêncio assunto antigo para
falar deste domingo: descrevê-los
o silêncio o domingo será como
falar da escuridão e que metáfora
mais certa se as há certas, para a ínfima
luz própria metafórica do dia

A tua voz então vem como nave
a si mesma sulcar-se, na penumbra
tornando-se, não sei se mais igual
ou mais diversa do escuro sentido
do sentido, o tema interrompendo
do poema: o silêncio o domingo


[ Gastão Cruz: A Moeda do Tempo. ]

terça-feira, maio 12, 2009

Cinco anos.

O primeiro blog em que escrevi chamava-se unsavoury finnegan, e foi iniciado em Fevereiro de 2004. Em finais de Abril, definhava: a escrita ali presente era ou hermética, ou demasiado medular para que fosse confortável lê-la - quanto mais relê-la. Encerrei-o com relativo alívio em Maio desse ano. Durou três meses.

Uma semana depois de o ter encerrado, contudo, apercebi-me de que talvez tivesse tido apenas azar na minha primeira incursão pela blogosfera; de que o ponto de não-retorno a que aquele blog chegara teria sido produto de uma certa gestão danosa, que seria possível evitar no futuro. Alguns dias mais tarde, tinha início o Maiúsculas, que faz hoje cinco anos. Aos que vêm a este sítio por hábito, ou que cá chegam por acaso e se deixam ficar: obrigado. Para o ano cá estarei de novo, e com cada vez mais gosto em ter-vos cá comigo.

sábado, maio 02, 2009

Here comes the sun.

Três anos depois de ele me ter dado a ouvir o "Here comes the sun" cantado pelo Nick Cave - e de eu não ter achado qualquer piada à música -, dou com uma cover dos Belle and Sebastian que deixo ficar em repeat durante a tarde inteira, e pela noite fora.

Comentário desnecessário (76).

Shuffle.

O problema de ter o iPod em shuffle é estar sujeito a que, a seguir a um "Lloyd, I'm ready to be heartbroken", surja um "When you're old and lonely".

Um dia estranho.

Na terça-feira, houve quem chegasse aqui ao blog através dos termos de pesquisa "modo de respiração das aranhas", "caixa de correio tipo casulo" e "blog de natação sincronizada". Enough said.