Prestidigitação.
Preciso de dois anéis na minha mão, um bocado de sangue e um pano escarlate. Com isto iludo o mundo e a mim no espelho: com uma mão que não carrega nada, mas finge; com o passo leve que não dou; com a voz baixa que mantenho.
"So that I may say at all times, even when you do not answer and perhaps hear nothing, something of this is being heard, I am not merely talking to myself [...]." (Samuel Beckett, Happy Days)
Preciso de dois anéis na minha mão, um bocado de sangue e um pano escarlate. Com isto iludo o mundo e a mim no espelho: com uma mão que não carrega nada, mas finge; com o passo leve que não dou; com a voz baixa que mantenho.
There was never a time when I did not make sentences in order to make those things that I had experienced real. I also made up sentences to describe imagined worlds and alternative universes.
Por esta ordem e sem ideia de quando terminarei:
A cidade dividiu-se: eu fiquei de um lado e nada do outro. Entre nós uma cidade com uma espessa faixa ao meio, como nunca antes.
Sempre achei piada ao protagonismo que "o João" e "a Maria" têm em muita da minha (e não só minha) exemplificação. Se calhar é por me chamar João. Ontem estava a passar os olhos por dois pontos de um capítulo que escrevi e apercebi-me de que a vida deles é, sem dúvida, muito rica; tenho a certeza de que, sendo amigos ou casados ou o que for, são felizes juntos.
Concrete barracks and earthworks 40 feet high towered in the middle distance as the sound beyond them, the sound of a waterfall, grew louder, calling from his memory.
A preparar-me para acabar de ler o Therapy, do David Lodge, que ficou interrompido durante uns tempos. Depois: rever ou o Lost in Translation ou o The Life Aquatic with Steve Zissou.
No laughs and no jokes and no thoughts.
Gosto muito de café. Não me tinha apercebido, contudo, de quanta importância lhe dou até um e-mail da F. me ter chamado a atenção para isso. A palavra café aparece, no Maiúsculas, em cinquenta e nove posts (sessenta, se contarmos este); coffee também tem direito a duas ocorrências. Não me lembro ao certo do primeiro café que tomei: suspeito que tenha sido ou no primeiro ano da Licenciatura (1998-9) ou, antes disso, em data imprecisa - em casa do meu tio (depois de almoço) ou da minha avó materna (ao pequeno-almoço). O sabor amargo do líquido, equilibrado na altura com doses maciças de adoçante,
No chão ficaram as minhas mãos quietas, o lugar dos teus pés e um resto de sangue; fiquei eu a ver-te ir. O ar cheirava a borracha queimada.
Falava no outro dia com o X. que me dizia que as paixões que tinha, musicalmente falando, eram poucas ou inexistentes. Isto a propósito do meu entusiasmo relativamente ao concerto de Rufus Wainwright, no qual estive ontem. Foram quase três horas de espectáculo, na presença de uma voz e de um talento musical estrondosos, de uma banda versátil e bem disposta. Saí do concerto com a mesma sensação que da primeira vez que o vi em Portugal: uma vontade de mudar de vida, de fazer mais de mim; se calhar, uma vontade de reduzir a pó o meu pouco relevante passado. O Rufus faz-nos isso, no meio de tantas outras coisas e sem que nos apercebamos.
A beber café forte e a tentar ganhar coragem para ler dois livros - um dos quais ainda não comprei - até segunda-feira.
A S. diz-me que é "muito triste perder a memória dos sítios". Vem isto a propósito de lhe ter dito que não vou aos arredores de Marvão, terra da minha avó, desde que ela morreu - há coisa de cinco anos. A casa dela era a casa em que se passavam os Natais e os Verões, pelo menos até aos dezassete ou dezoito anos, idade em que adquiri o gosto por ficar sozinho em Lisboa o mais que podia.