Aportar.
Se fores ao meu lado no metro ou no comboio, vais encontrar-me ou com a cabeça enfiada num livro ou a olhar para fora da carruagem; pode ser que vá a ouvir música; às vezes também me acontece adormecer, embora seja raro. Passo despercebido. Se estiveres atrás de mim - ou eu atrás de ti - na fila de uma caixa, sou o tipo que olha de vez em quando para o relógio, que se deixa sorrir sem motivo aparente e morde o lábio inferior discretamente para tentar refrear um riso mais solto; que ouve tudo atentamente, e tenta perceber que língua duas pessoas estão a falar três filas ao lado. Não me encontras facilmente, mas encontras-me. E é possível que, ao encontrar-me, a minha cara te pareça vagamente familiar. Posso ser eu ou não; podes falar-me ou não falar - não sei se é, ou não, indiferente; pouco importa. Vou passando incógnito pelos dias e eles por mim, não sem ir tentando aportar a vida que levo algures cá dentro à vida aí fora - receando a cada vez que a amarra se desfaça, e não torne a avistar terra.