domingo, maio 30, 2004

Um minuto.

A luz que passa e invade, aos poucos, a custo, o espaço. Os lençóis. A cama. Quem dorme e quem acaba de sair - do quarto e de cena. Alguém no escuro.

(O adeus que nem isso chega a ser.)

Confessio animae.

Amores Possíveis foi o napalm inesperado. A pedra depois da pedra. Depois: quando já não a esperava.

('Não, não é só uma foto - somos nós.')

Não consigo falar do filme a quente. Não consigo falar - ponto. Estou de rastos. E aquilo que se segue é a [minha] tentativa frustrada de limpar o entulho da explosão, sabendo perfeitamente que há cacos que ficaram enterrados na carne e que só com o tempo o corpo rejeitará.

('O que é que é você? Um sádico? Não basta todo o mal que você me fez, você volta aqui e faz tudo de novo?')

Casulo.

Preciso de ficar muito quieto. Muito quieto por tempo indeterminado.

sexta-feira, maio 28, 2004

Hã?

huh? right. what? uhh.
huh? what? right. uhh.
huh? what? right. uhh.
huh? what? right. uhh.

SIS IUD, stay in school coz it's the best.
IUD SIS, stay in school coz it's the best.
IUD SIS, stay in school coz it's the best.
IUD SIS, stay in school coz it's the best.


[ Peaches: The Teaches of Peaches, 'Fuck the pain away'. ]

Peaches: The Teaches of Peaches (2002).

O primeiro álbum de Peaches impressiona, que mais não seja, pela brutalidade cortante do som perfeitamente electrónico e pela acutilância das letras. Na verdade, quando, do nada, ouvimos alguém cantar, numa voz incrivelmente lasciva, qualquer coisa como

Suckin' on my titties like you wanted me,
Callin me, all the time like blondie
Check out my chrissy behind
It's fine all of the time
What else is in the teaches of peaches?
Like sex on the beaches. huh? what?


é natural que fiquemos, conforme já disse, impressionados (positivamente). Só que a imagem de bad girl rapidamente se torna cansativa e quem ouve Peaches cantar acaba por perceber que, por detrás de toda aquela pretensa irreverência - nos títulos das pistas (dos quais se destacam, entre outros, 'Cum undun', 'Diddle my skittle', 'Lovertits' e 'Suck and let go'), nos textos das letras, na própria persona que é Peaches -, não existe nada. Não existe música, não existe verdadeira originalidade ou criatividade: existe, sim, apenas a leve sensação de furor inicial causada pela repetição (quase ad nauseam) de palavras que temos por hábito não usar com tanta frequência. Se tanto, Peaches é uma performance artist - e daí até se tornar cantora / compositora / o-que-quer-que-seja ainda vai um esticãozito.

Mas esta é só a minha opinião, claro. Até porque, imparcialidades (e opiniões) à parte, tenho os dois álbuns da dita senhora (The Teaches of Peaches e Fatherfucker) e ouvi-os repetidamente durante algum tempo. Portanto, bem vistas as coisas, para que é que estou para aqui a mandar vir, hã?

terça-feira, maio 25, 2004

[ . . . ]

Explicação da noite

Sobre a água estarei solto de caminhos
Dos que vierem nenhum barco é para ti

Não deixes a candeia acesa
Dorme: basta-me essa luz


[ Daniel Faria: Explicação das Árvores e de Outros Animais. ]

In barbaros.

Atiro-te - rapidamente e antes de sair - para dentro da minha mala, na esperança de que me atenues o marasmo desta tarde. Já na sala, enquanto tudo ainda é silêncio, pego em ti e corro as tuas páginas - fascino-me com o que leio, com as palavras que sei que foram as tuas. Aproveito cada minuto da reclusão deste sítio abafado para te ler; aproveito cada minuto até que chegue a barbárie e me veja forçado a guardar-te.

(Forçado a prescindir da bênção que é ler-te, ainda que apenas por umas horas.)

segunda-feira, maio 24, 2004

Lamento na Feira do Livro.

Estou na Feira do Livro. E sei que a felicidade pode esperar-nos numa banca de livros - pode ficar mesmo ao nosso lado, calma, a folhear um ou outro exemplar, e depois seguir, como nós, ao longo de mais uns quantos pavilhões. Quando vê que não a agarramos e que nos detemos demasiado tempo a passar os olhos por uma antologia da poesia de Daniel Faria, desaparece na noite.

(Desaparece para nunca mais ser vista.)

domingo, maio 23, 2004

Birra repentina (ou capricho súbito).

Eu não quero que segunda-feira seja daqui a uma hora e pouco. Não quero! Não quero! Não quero!

sexta-feira, maio 21, 2004

Grito de guerra.

Datura

get out of my garden

passion vine
texas sage
indigo spires salvia
confederate jasmine
royal cape plumbago
arica palm
pygmy date palm
snow-on-the-mountain
pink powderpuff
Datura
crinum ily
st. christopher's lily
silver dollar eucalyptus
white african iris
katie's charm ruellia
variegated shell ginger
florida coontie
Datura
ming fern
sword fern
dianella
walking iris
chocolate cherries allamanda
awabuki viburnum

is there room in my heart
for you to follow your heart
and not need more blood
from the tip of your star

walking iris
chocolate cherries allamanda
awabuki viburnum
natal plum
black magic ti
mexican bush sage
gumbo limbo
golden shrimp
belize shrimp
senna
weeping sabicu
golden shower tree
golden trumpet tree
bird of paradise
come in
variegated shell ginger
Datura
lonicera
red velvet costus
xanadu philodendron
snow queen hibiscus
frangipani
bleeding heart
persian shield
cat's whiskers
royal palm
sweet alyssum
petting bamboo
orange jasmine
clitoria blue pea
downy jasmine
Datura
frangipani

dividing Canaan
piece by piece
o let me see
dividing Canaan


[ Tori Amos: To Venus and Back. ]

quinta-feira, maio 20, 2004

Breve parêntesis de formatação.

(Abrir parêntesis.)

O texto dos posts anteriores não está a itálico (como deveria, visto tratar-se não só de língua inglesa como de textos que não são da minha autoria). Questões relacionadas com a inserção das imagens no corpo dos posts obrigaram-me a esta concessão.

(Fechar parêntesis.)

Which historical lunatic am I?

You are Gaius Caesar Germanicus - better known as Caligula!

Third Emperor of Rome and ruler of one of the most powerful empires of all time, your common name means 'little boots'. Although you only reigned for four years, brief even by Roman standards, you still managed to garner a reputation as a cruel, extravagant and downright insane despot. Your father died in suspicious circumstances, you were not the intended heir, and one of your first acts as Emperor was to force the suicide of your father-in-law. Your sister Drusilla died that same year; faced with allegations that your relationship with her had been incestuous, you responded, bafflingly, by declaring her a god.

You revived a number of unpopular traditions, including auctions of properties left over from public shows. When a senator fell asleep at one such auction, you took each of his nods as bids, selling him 13 gladiators for a vast sum. You attempted to have your horse, Incitatus, made into a consul and hence one of the most powerful figures in Rome. It was granted a marble stable with jewels and a staff of servants. At one point you forced your comrade Macro to kill himself - in much the same vein as your father-in-law - accusing him of being his wife's pimp. You, of course, were having an affair with said wife at the time.

Things went from bad to worse. When supplies of condemned men ran short in the circus, you had innocent spectators dragged into the arena with the lions to fill their place. You claimed mastery of the sea by walking across a three-mile bridge of boats in the Bay of Naples; kissed the necks of your lovers, whispering sweet nothings like 'This lovely neck will be chopped as soon as I say so,'; dallied with your sister's lover and made her pull her unborn child out of her womb prematurely. Towards the end of your reign, you had a golden statue of yourself made and dressed each day in the same clothes you yourself wore. When you eventually died, the terrified people of Rome refused to believe that such a cruel reign could ever end, and believed you to be alive for years afterwards.

I'm Caligula!
Which Historical Lunatic Are You?
From the fecund loins of Rum and Monkey.

Which colossal death robot am I?

Can it, you're Bender!

In the robot world, you are a bit of a lightweight in the colossal death league, but you do mutter 'kill all humans' in your sleep - and after all, it's the thought that counts. We love you because you drink, steal, smoke cigars and gamble away things that aren't even yours. You've got what it takes. You're the right stuff.

Bender!
Which Colossal Death Robot Are You?
Brought to you by Rum and Monkey

Posticidal tendencies.

Acabo de cometer posticídio triplo. Três posts que escrevi na madrugada de hoje foram súbita e inesperadamente apagados porque agora, depois de uma simpática noite de sono, os achei irrelevantes. Deixo aqui os respectivos epitáfios:

R.I.P. 'Lamento a meio de um seminário.'
R.I.P. 'Pensamento a meio de um seminário.'
R.I.P. 'Sonolência.'

Vou, a partir de agora, tentar resistir a estas minhas tendências posticidas.

terça-feira, maio 18, 2004

Zero7: When It Falls (2004).

Nunca fui grande apreciador das coisas que os Zero7 faziam. Achava-os engraçados, na falta de termo que os descrevesse de forma precisa. Mas as coisas mudam. Mas as coisas mudaram. E When It Falls é, sem qualquer hesitação (da minha parte, pelo menos), uma enorme mudança para melhor. O álbum é orgânico: o som é cheio; as vozes de Tina Dico e Sia Furler (entre outras de destaque) são acolhedoras como nunca; as transições entre pistas são fluidas e bem conseguidas; as letras são particularmente boas - e nestas é inevitável salientar 'Home', 'Somersault' e 'Speed Dial No. 2'. É um trabalho que dá gosto ouvir quando estamos sorridentes, quando estamos carrancudos, em dias de chuva, em dias de sol, enquanto tomamos banho, enquanto tomamos um Cosmopolitan, quando estamos quase a adormecer, enquanto conduzimos - em quase todas as circunstâncias possíveis (sem falar das imagináveis). Surpreendente(s), sem dúvida.

domingo, maio 16, 2004

Relativizações necessárias.

I was choking on a cornflake
You said 'Have some toast instead'


[ Belle and Sebastian: Dear Catastrophe Waitress, 'Stay Loose'. ]

sábado, maio 15, 2004

À la carte.

'Eu sou tudo o que tu quiseres, amor. Tudo. Tudinho. Tudinho mesmo. Sou alto e sou baixo. Gordo, magro, assim-assim. Loiro, moreno, grisalho, às pintas. Bronzeado ou de pele clara. Dentição perfeita. Peludo ou não. Olhos verdes, castanhos, azuis, amarelos, cinzentos. Sorriso assassino. Eu sou tudo o que tu quiseres que eu seja, amor - tudo. Gosto de ténis, de xadrez, de futebol, de equitação, de esgrima, de natação, de tudo o que tu gostares, amor. Tudinho. Gosto de tudo o que tu gostares, amor. Tenho vinte-e-quatro anos, tenho trinta-e-quatro anos - até sou do Paleolítico, se estiveres para aí virado; tenho os anos que tu quiseres que eu tenha, amor. Chamo-me Paulo. E Rodrigo. E Zé. E Pedro. E Gonçalo. E tudo o que tu quiseres, amor. Tudo, amor. Tudinho. Porque o que eu quero é ver-te satisfeito, amor. Porque o que eu quero é que tu estejas bem, amor. Porque eu não conto nada, amor. Porque eu cá não valho um chavo, amor. Sim, amor. Tudo o que tu quiseres, amor. Tudo. Tudinho. Tudo o que tu quiseres.'

Gelo seco.

Mais vale ser brutal do que inventar histórias rocambolescas. Estou cansado. Tive um dia desgastante (como há já algum tempo não tinha, creio). Não sou capaz de examinar as coisas a frio.

('As coisas'.)

sexta-feira, maio 14, 2004

Sorriso de derrota.

Why do I always chase the ones that run?

[ Leona Naess: Comatised, 'Chase'. ]

Happiness: just add water.

4X
CALIFONIAC/T
3X
CALIFONIA
3X
TEKKA MAKI
3X
SHAKE MAKI
2X
TORIKARA-ROL
2X
OZEKI+COSS
3X
PESSOAS
1X
SERÃO

quinta-feira, maio 13, 2004

Epifanias.

Quickly, as if she were recalled by something over there, she turned to her canvas. There it was - her picture. Yes, with all its greens and blues, its lines running up and across, its attempt at something. It would be hung in the attics, she thought; it would be destroyed. But what did that matter? she asked herself, taking up her brush again. She looked at the steps; they were empty; she looked at her canvas; it was blurred. With a sudden intensity, as if she saw it clear for a second, she drew a line there, in the centre. It was done; it was finished. Yes, she thought, laying down her brush in extreme fatigue, I have had my vision.

[ Virginia Woolf: To the Lighthouse. ]

Nota breve sobre uma procissão.

Na minha rua passou, há umas horas atrás, uma procissão. Numa rua de Lisboa, num bairro pacato, passou uma procissão - os passeios e a estrada encheram-se de gente e do som arrastado da música que acompanhava o cortejo.

quarta-feira, maio 12, 2004

Leona Naess: Comatised (2000).

Sei que não tenho que me justificar. Ninguém mo pede. Ninguém a isso me obriga. Mas a voz de Leona Naess consegue deixar-me de rastos. Se calhar, é por isso que digo que Comatised é um álbum incrível e memorável, que mais não seja pelas letras - histórias bem contadas e, sobretudo, longe de um certo teenage angst que tende a invadir subtilmente muito do estilo de composição actual. Como se as letras não bastassem, acrescenta-se-lhes o charme da presença e da voz da intérprete britânica e já está: temos um álbum sólido, estimulante e, inevitavelmente, arrancado da carne. De resto, em caso de dúvida, basta ouvir 'Paper Thin', a última pista deste álbum: a rouquidão de Naess, a voz que quase desiste de si (no fundo, a voz de alguém que está, de facto, paper thin), o piano que se recusa a sair da névoa que abraça toda a música - todos estes (e muitos outros) são traços de uma óptima compositora e intéprete com um futuro inegavelmente promissor.

Só isto?

Vi, este fim-de-semana, XX/XY, de Austin Chick. A única coisa que consigo dizer do filme é que é uma total desilusão - isto, claro, para quem ainda tem (como eu) expectativas (baixas que sejam) em termos cinematográficos. A história é pobre; os encontros e desencontros do filme altamente previsíveis; o final é pouquíssimo convincente e asquerosamente comodista. Sim, tudo bem - talvez seja esse o objectivo: um filme sem moral da história (e esses, a meu ver, são sempre bem-vindos), em que os 'maus' escapam incólumes e os 'bons' não são recompensados. Mas nem isso é bem conseguido - tudo o que de facto acontece no filme (se se pode dizer que algo acontece) acontece por inércia, por inacção - porque as personagens nada fazem para contrariar a direcção que as suas vidas seguem. A recusa de Coles em crescer é disto exemplo: se, a princípio, achamos algum interesse à sua atitude marcadamente adolescente (errática, instável), logo nos apercebemos de que este é um traço definitivo da sua personalidade - algo que acaba por nos cansar ao fim de pouco tempo. E se, como a contracapa do DVD anuncia em letras garrafais, 'o elenco irradia integridade e inteligência', o filme, se tanto, é mero exercício formal, destinado a deixar o espectador revoltado e a perguntar-se, por vezes em voz alta, se o filme era só aquilo ou se não haverá mais qualquer coisinha depois do genérico.

Speechless.

Não consigo falar objectivamente de Battle Royale pela mesma razão que não consigo falar objectivamente de um número grande de coisas de que gosto verdadeiramente. E Battle Royale é, sem dúvida, um caso flagrante de amor à primeira vista. Tudo - mas tudo - me ficou na memória: história, personagens (quarenta alunos dos quais, em teoria, sobrará apenas um), a inexorabilidade (mas, sobretudo, a aleatoriedade) dos destinos destas, as paragens da narrativa (súbitas, instantâneas e, quase sempre, imprevisíveis) que deixam transparecer, não raro, os últimos pensamentos (quase nunca verbalizados ou, se verbalizados, tardiamente decifrados) de quem morreu ou vai morrer. E a inesquecível cena de Kitano, à chuva, com um guarda-chuva transparente, a virar-se para Noriko e a dizer-lhe para ter cuidado para não se constipar. Tudo, em Battle Royale, é para ser visto duas, três, quatro, cinco, seis vezes. Vezes suficientes para que consigamos digeri-lo. Vezes suficientes para que se nos entranhe e se nos grave na pele.

('Seja qual for a distância a que estiver, corre em busca do que mereces. Corre!')

Acrescentos.

Além dos acrescentos que fiz ao nível dos links, resolvi também [re]começar a utilizar letras maiúsculas. Não é uma direcção cujo curso não possa ser facilmente invertido. Contudo, é bastante difícil (e penoso) transcrever textos de dimensão mais respeitável eliminando todas as maiúsculas (salvo algumas que, por razões que não me interessa explorar neste momento, não retiro). Posso então dizer, com algum grau de certeza: minhas senhoras e meus senhores - as maiúsculas voltaram.

Arrumar a casa.

Os primeiros minutos de um blog são passados numa tentativa (frustrada ou não) de arrumar a casa. É a mesma coisa quando mudamos do sítio onde vivemos para outro - temos que decidir para onde vão determinadas caixas, onde ficam os móveis nas novas divisões, onde pendurar os quadros, o que vai (e, sobretudo, o que não vai) para a nova casa. Foi o que fiz. E, passados instantes, posso dizer, com alguma certeza: sejam bem-vindos.

(Entrem, por favor.)

Um primeiro post.

Não percebo exactamente a razão que me levou a iniciar um novo blog, mas talvez tenha alguma coisa a ver com a saturação que, nos últimos tempos, sentia em relação ao que criara antes deste. O 'unsavoury finnegan' foi, de facto, uma casa para as coisas que escrevi, entre Fevereiro e Maio deste ano. A questão coloca-se, assim, inevitavelmente: por que razão abandoná-la e começar de novo? A única resposta que me ocorre, a esta hora e neste momento, é a seguinte: porque, às vezes, é preciso recomeçar.

Let the games begin.