Um minuto.
A luz que passa e invade, aos poucos, a custo, o espaço. Os lençóis. A cama. Quem dorme e quem acaba de sair - do quarto e de cena. Alguém no escuro.
(O adeus que nem isso chega a ser.)
"So that I may say at all times, even when you do not answer and perhaps hear nothing, something of this is being heard, I am not merely talking to myself [...]." (Samuel Beckett, Happy Days)
A luz que passa e invade, aos poucos, a custo, o espaço. Os lençóis. A cama. Quem dorme e quem acaba de sair - do quarto e de cena. Alguém no escuro.
Amores Possíveis foi o napalm inesperado. A pedra depois da pedra. Depois: quando já não a esperava.
huh? right. what? uhh.
O primeiro álbum de Peaches impressiona, que mais não seja, pela brutalidade cortante do som perfeitamente electrónico e pela acutilância das letras. Na verdade, quando, do nada, ouvimos alguém cantar, numa voz incrivelmente lasciva, qualquer coisa como
Explicação da noite
Atiro-te - rapidamente e antes de sair - para dentro da minha mala, na esperança de que me atenues o marasmo desta tarde. Já na sala, enquanto tudo ainda é silêncio, pego em ti e corro as tuas páginas - fascino-me com o que leio, com as palavras que sei que foram as tuas. Aproveito cada minuto da reclusão deste sítio abafado para te ler; aproveito cada minuto até que chegue a barbárie e me veja forçado a guardar-te.
Estou na Feira do Livro. E sei que a felicidade pode esperar-nos numa banca de livros - pode ficar mesmo ao nosso lado, calma, a folhear um ou outro exemplar, e depois seguir, como nós, ao longo de mais uns quantos pavilhões. Quando vê que não a agarramos e que nos detemos demasiado tempo a passar os olhos por uma antologia da poesia de Daniel Faria, desaparece na noite.
Eu não quero que segunda-feira seja daqui a uma hora e pouco. Não quero! Não quero! Não quero!
Datura
(Abrir parêntesis.)
You are Gaius Caesar Germanicus - better known as Caligula!
Can it, you're Bender!
Acabo de cometer posticídio triplo. Três posts que escrevi na madrugada de hoje foram súbita e inesperadamente apagados porque agora, depois de uma simpática noite de sono, os achei irrelevantes. Deixo aqui os respectivos epitáfios:
Nunca fui grande apreciador das coisas que os Zero7 faziam. Achava-os engraçados, na falta de termo que os descrevesse de forma precisa. Mas as coisas mudam. Mas as coisas mudaram. E When It Falls é, sem qualquer hesitação (da minha parte, pelo menos), uma enorme mudança para melhor. O álbum é orgânico: o som é cheio; as vozes de Tina Dico e Sia Furler (entre outras de destaque) são acolhedoras como nunca; as transições entre pistas são fluidas e bem conseguidas; as letras são particularmente boas - e nestas é inevitável salientar 'Home', 'Somersault' e 'Speed Dial No. 2'. É um trabalho que dá gosto ouvir quando estamos sorridentes, quando estamos carrancudos, em dias de chuva, em dias de sol, enquanto tomamos banho, enquanto tomamos um Cosmopolitan, quando estamos quase a adormecer, enquanto conduzimos - em quase todas as circunstâncias possíveis (sem falar das imagináveis). Surpreendente(s), sem dúvida.
I was choking on a cornflake
'Eu sou tudo o que tu quiseres, amor. Tudo. Tudinho. Tudinho mesmo. Sou alto e sou baixo. Gordo, magro, assim-assim. Loiro, moreno, grisalho, às pintas. Bronzeado ou de pele clara. Dentição perfeita. Peludo ou não. Olhos verdes, castanhos, azuis, amarelos, cinzentos. Sorriso assassino. Eu sou tudo o que tu quiseres que eu seja, amor - tudo. Gosto de ténis, de xadrez, de futebol, de equitação, de esgrima, de natação, de tudo o que tu gostares, amor. Tudinho. Gosto de tudo o que tu gostares, amor. Tenho vinte-e-quatro anos, tenho trinta-e-quatro anos - até sou do Paleolítico, se estiveres para aí virado; tenho os anos que tu quiseres que eu tenha, amor. Chamo-me Paulo. E Rodrigo. E Zé. E Pedro. E Gonçalo. E tudo o que tu quiseres, amor. Tudo, amor. Tudinho. Porque o que eu quero é ver-te satisfeito, amor. Porque o que eu quero é que tu estejas bem, amor. Porque eu não conto nada, amor. Porque eu cá não valho um chavo, amor. Sim, amor. Tudo o que tu quiseres, amor. Tudo. Tudinho. Tudo o que tu quiseres.'
Mais vale ser brutal do que inventar histórias rocambolescas. Estou cansado. Tive um dia desgastante (como há já algum tempo não tinha, creio). Não sou capaz de examinar as coisas a frio.
4X
Quickly, as if she were recalled by something over there, she turned to her canvas. There it was - her picture. Yes, with all its greens and blues, its lines running up and across, its attempt at something. It would be hung in the attics, she thought; it would be destroyed. But what did that matter? she asked herself, taking up her brush again. She looked at the steps; they were empty; she looked at her canvas; it was blurred. With a sudden intensity, as if she saw it clear for a second, she drew a line there, in the centre. It was done; it was finished. Yes, she thought, laying down her brush in extreme fatigue, I have had my vision.
Na minha rua passou, há umas horas atrás, uma procissão. Numa rua de Lisboa, num bairro pacato, passou uma procissão - os passeios e a estrada encheram-se de gente e do som arrastado da música que acompanhava o cortejo.
Sei que não tenho que me justificar. Ninguém mo pede. Ninguém a isso me obriga. Mas a voz de Leona Naess consegue deixar-me de rastos. Se calhar, é por isso que digo que Comatised é um álbum incrível e memorável, que mais não seja pelas letras - histórias bem contadas e, sobretudo, longe de um certo teenage angst que tende a invadir subtilmente muito do estilo de composição actual. Como se as letras não bastassem, acrescenta-se-lhes o charme da presença e da voz da intérprete britânica e já está: temos um álbum sólido, estimulante e, inevitavelmente, arrancado da carne. De resto, em caso de dúvida, basta ouvir 'Paper Thin', a última pista deste álbum: a rouquidão de Naess, a voz que quase desiste de si (no fundo, a voz de alguém que está, de facto, paper thin), o piano que se recusa a sair da névoa que abraça toda a música - todos estes (e muitos outros) são traços de uma óptima compositora e intéprete com um futuro inegavelmente promissor.
Vi, este fim-de-semana, XX/XY, de Austin Chick. A única coisa que consigo dizer do filme é que é uma total desilusão - isto, claro, para quem ainda tem (como eu) expectativas (baixas que sejam) em termos cinematográficos. A história é pobre; os encontros e desencontros do filme altamente previsíveis; o final é pouquíssimo convincente e asquerosamente comodista. Sim, tudo bem - talvez seja esse o objectivo: um filme sem moral da história (e esses, a meu ver, são sempre bem-vindos), em que os 'maus' escapam incólumes e os 'bons' não são recompensados. Mas nem isso é bem conseguido - tudo o que de facto acontece no filme (se se pode dizer que algo acontece) acontece por inércia, por inacção - porque as personagens nada fazem para contrariar a direcção que as suas vidas seguem. A recusa de Coles em crescer é disto exemplo: se, a princípio, achamos algum interesse à sua atitude marcadamente adolescente (errática, instável), logo nos apercebemos de que este é um traço definitivo da sua personalidade - algo que acaba por nos cansar ao fim de pouco tempo. E se, como a contracapa do DVD anuncia em letras garrafais, 'o elenco irradia integridade e inteligência', o filme, se tanto, é mero exercício formal, destinado a deixar o espectador revoltado e a perguntar-se, por vezes em voz alta, se o filme era só aquilo ou se não haverá mais qualquer coisinha depois do genérico.
Não consigo falar objectivamente de Battle Royale pela mesma razão que não consigo falar objectivamente de um número grande de coisas de que gosto verdadeiramente. E Battle Royale é, sem dúvida, um caso flagrante de amor à primeira vista. Tudo - mas tudo - me ficou na memória: história, personagens (quarenta alunos dos quais, em teoria, sobrará apenas um), a inexorabilidade (mas, sobretudo, a aleatoriedade) dos destinos destas, as paragens da narrativa (súbitas, instantâneas e, quase sempre, imprevisíveis) que deixam transparecer, não raro, os últimos pensamentos (quase nunca verbalizados ou, se verbalizados, tardiamente decifrados) de quem morreu ou vai morrer. E a inesquecível cena de Kitano, à chuva, com um guarda-chuva transparente, a virar-se para Noriko e a dizer-lhe para ter cuidado para não se constipar. Tudo, em Battle Royale, é para ser visto duas, três, quatro, cinco, seis vezes. Vezes suficientes para que consigamos digeri-lo. Vezes suficientes para que se nos entranhe e se nos grave na pele.
Além dos acrescentos que fiz ao nível dos links, resolvi também [re]começar a utilizar letras maiúsculas. Não é uma direcção cujo curso não possa ser facilmente invertido. Contudo, é bastante difícil (e penoso) transcrever textos de dimensão mais respeitável eliminando todas as maiúsculas (salvo algumas que, por razões que não me interessa explorar neste momento, não retiro). Posso então dizer, com algum grau de certeza: minhas senhoras e meus senhores - as maiúsculas voltaram.
Os primeiros minutos de um blog são passados numa tentativa (frustrada ou não) de arrumar a casa. É a mesma coisa quando mudamos do sítio onde vivemos para outro - temos que decidir para onde vão determinadas caixas, onde ficam os móveis nas novas divisões, onde pendurar os quadros, o que vai (e, sobretudo, o que não vai) para a nova casa. Foi o que fiz. E, passados instantes, posso dizer, com alguma certeza: sejam bem-vindos.
Não percebo exactamente a razão que me levou a iniciar um novo blog, mas talvez tenha alguma coisa a ver com a saturação que, nos últimos tempos, sentia em relação ao que criara antes deste. O 'unsavoury finnegan' foi, de facto, uma casa para as coisas que escrevi, entre Fevereiro e Maio deste ano. A questão coloca-se, assim, inevitavelmente: por que razão abandoná-la e começar de novo? A única resposta que me ocorre, a esta hora e neste momento, é a seguinte: porque, às vezes, é preciso recomeçar.